segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Gênios e Rivais: Bernini, Borromini e a disputa que transformou Roma

Nessas férias o principal passatempo foi ler alguns livros. Depois de “Hitler”, do Ian Kershaw; “A batalha do apocalipse”, do Eduardo Spohr; e “Carlos Magno” do Jean Favier, tive a oportunidade de ler o incrível “Gênios e rivais” do Jake Morrissey. De leitura agradável e muito interessante, trago-o como dica de livro da vez. Abaixo, um pequeno relato sobre o que podemos encontrar nas suas páginas.

O Renascimento artístico Europeu foi um dos acontecimentos mais incríveis já realizados pela raça humana. Boa parte das maiores obras artísticas e culturais desenvolvidas pelo homem, e admiradas atualmente, vieram dessa época, que também viu surgir aqueles que talvez tenham sido os mais importantes artistas da história. A lista é grande: Michelângelo, Da Vinci, Rafael Sanzi, Bramante... Figuras tão complexas e surpreendentes quanto os seus talentos.

Os frutos do renascimento e dos famosos artistas por trás desse movimento fizeram aparecer novas formas de ver e perceber o mundo. Tão importante quanto isso, fez com que nos séculos seguintes novos artistas surgissem e desenvolvessem seus próprios talentos. Dois desses novos artistas, Bernini e Borromini, trouxeram para o século XVII a disputa que havia existido entre os expoentes do século XVI. Contemporâneos, ambos tornaram-se figuras conhecidas e requisitadas, sendo criadores e construtores das maiores jóias do barroco italiano.

A disputa foi acirrada e tempestiva. Bernini, o preferido do Papa Urbano VIII, era genial e carismático, agradando a todos que o encontravam. Borromini, por sua vez, dispunha de uma genialidade à altura, mas era turrão e pouco agradável. Ambos trabalharam nas obras da Basílica de São Pedro, em Roma, e construíram diversas igrejas, fontes, praças e palácios na cidade.

Os problemas entre ambos começaram enquanto eram ainda jovens, durante a construção do Baldaquino do altar da Basílica. Com desenhos iniciais de Carlo Maderno, o gigantesco dossel de bronze acabou sendo delegado ao jovem Bernini, que com ajuda e ideias de Borromini, conseguiu terminar a colossal tarefa. Apesar de ter sido extremamente importante para o trabalho, Borromini foi posto de lado e transformado em mero “ajudante” de Bernini. O ódio surgido a partir desse acontecimento perdurou por toda a vida, fazendo Borromini surtar de raiva ao ouvir falar do concorrente.

Ambos continuaram criando e se envolvendo nas disputas pelo gosto da elite romana. Apesar de Bernini ser muito astuto, acabou por se envolver em problemas ao insistir na construção dos campanários de São Pedro, e por alguns anos foi desacreditado. No futuro, foi reconsiderado, e novamente elevado à categoria de gênio do barroco, graças a sua incrível “fonte dos quatro rios”. Entre suas obras mais famosas estão a “Cathedra Petri” no altar de São Pedro, a estátua de São Longuinho, o túmulo de Urbano VIII e a Colunata da Basílica de São Pedro.

Borromini nunca foi muito amado devido ao seu temperamento. Entretanto, construiu obras magníficas como “Sant'Ivo alla Sapienza”, “Santa Agnese in agone” e o “Oratorio dei filippini”, além de ter reformado a Basílica de São João Latrão. De certa forma ele teve seu talento eclipsado pelo de Bernini e morreu tragicamente em 1667, tendo cometido suicídio. Bernini, que viveu até 1680, foi aclamado como o maior artista do Barroco e, após receber um convite do Rei Sol, fez uma visita de seis meses à França.

A briga de egos é o tema do livro, e ver como eles pensaram e criaram suas obras é extremamente excitante. “Gênios e Rivais: Bernini, Borromini e a disputa que transformou Roma” é um dos livros que mais gostei de ler. O terminei em dois dias apenas, e fiquei com aquela sensação de quero mais no final.

Fica então a dica de leitura!

Grande abraço!

-- Thiago Amorim



sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Normandie



Eis o mais belo e mais luxuoso navio já construído!

Não, você nunca ouviu falar dele, já que a fama pertence ao Titanic, e ficará com este último para sempre devido à tragédia. Mas certamente o Normandie encanta a todos que conhecem a sua história ou já o tenham visto, mesmo que em uma foto apenas.

A época de ouro das viagens navais ainda estava em curso, e os aviões eram meros sonhos quiméricos, muito longe de se tornarem tão importantes quanto hoje. Construído na França durante a grande depressão, o luxuoso transatlântico iria rivalizar com os navios “Queen Elizabeth” e “Queen Mary”, da Cunard, no transporte de passageiros no Atlântico.

O Normandie era extremamente luxuoso e requintado, com uma decoração em estilo Art Déco de fazer inveja a qualquer outro no mundo. Seu público alvo era a elite, e por isso tinha quase metade das suas cabines destinadas à primeira classe. Essas, inclusive, tinham elementos decorativos, conveses de passeio, e até mesmo salas de refeição particulares.

Entre todas as maravilhas que possuía, o elemento mais incrível do navio era o salão de refeições da primeira classe, estrategicamente construído no centro do navio. Ali um espaço contínuo de quase cem metros de comprimento e oito e meio de altura, ladeado por colunas de cristais Lalique, com enormes portas e painéis de bronze, fascinava todos os visitantes. Para conseguir o espaço necessário para o salão, os arquitetos criaram uma solução fascinante, desviando os tubos de exaustão dos motores elétricos, e disfarçando-os entre as colunas do ambiente. Os críticos chegavam a dizer que nem mesmo o Salão de Espelhos de Versailles lhe fazia sombra. Em suma, era um triunfo da arquitetura e engenharia navais.

Mas seu triunfo não seria eterno. Lançado em 1935, o Normandie foi requisitado para a guerra que assolaria a Europa a partir de 1939. Ele foi rebocado e levado para Nova York em 1941, onde sofreria reformas para o transporte das tropas. Durante os trabalhos, entretanto, o luxuoso navio sofreu um incêndio.

Uma enorme quantidade de água foi lançada contra as chamas, mas isso se mostrou um erro fatal. Sem ter por onde escorrer, a água se acumulou na parte superior do navio, e a perda de estabilidade o fez virar. Ele permaneceria no mesmo local durante toda a guerra até ser desmantelado e transformado em sucata em meados da década de 1940.

Com o incêndio o Normandie se foi rapidamente e, mesmo tendo sido muito famoso à época, tornou-se um ilustre desconhecido perdido no passado.

Grande Abraço!

-- Thiago Amorim

Números:

- 314 metros de comprimento e 37 de largura;
- Doze conveses;
- Capacidade para 1972 passageiros, sendo 850 na primeira classe;
- Tripulação de 1345 pessoas;
- Quatrocentos garçons e cento e vinte e cinco chefs serviam o salão de jantar da primeira classe;
- O Normandie fez duas visitas ao Rio de Janeiro em 1938 e 1939;
- O navio tinha 83.000 toneladas (o maior do mundo à época);
  - Foi um recordista de velocidade durante os anos 1930 nas viagens transatlânticas.




Vídeos: 

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Encefalite Letárgica!



Resolvi falar sobre isso em um dos posts desse mês porque há muito tempo fiquei morrendo de medo de algo do tipo acontecer comigo. É claro que tudo não passou de uma bobagem minha, de uma agonia hipocondríaca que só podia vir de mim mesmo. Afinal, Vovó Marina (que Deus a tenha!) era extremamente nervosa com qualquer coisa que pudesse deixá-la doente, e acho que herdei essa característica fatídica dela. 

Outro fator para escrever sobre o assunto é o fato de estar de férias e dormir o tempo todo. Não por estar com a doença, mas por puro cansaço mesmo. O semestre na faculdade foi "pesado". Mas vamos ao que interessa:

Imagina que um dia você está com um daqueles sonos gigantescos, que mal te deixam de olhos abertos. Resolve dormir, feliz e tranquilo, com vontade de ficar na cama por séculos. Bem, eu não pediria para dormir por séculos, pois esse desejo pode se realizar...

Trata-se de uma doença pouco conhecida e muito pouco comentada, em parte devido às circunstâncias em que apareceu. Durante e após a Primeira Guerra Mundial, cerca de cinco milhões de pessoas foram infectadas no mundo (e morreram), numa epidemia de proporções cataclísmicas. O fato é que mesmo tendo alcançado tantas pessoas, a gripe espanhola, que matou cerca de vinte milhões “roubou a cena” das epidemias na época, e a doença nem ao menos é citada na história.

A enfermidade chama-se “encefalite letárgica” e, como o próprio nome sugere, deixa o indivíduo cansado, abatido, em estado de cansaço total. A pessoa cai num sono profundo e passa dias, semanas, e até meses dormindo, enquanto a morte não chega. Os infectados não acordam para ir ao banheiro, comer ou tomar banho, apenas permanecem numa espécie de coma profundo. Caso alguém os desperte, eles alimentam-se rapidamente e voltam a dormir.

Não há cura! Simplesmente não se sabe como a doença surge, ou como se desenvolve. Entre todos os infectados, os poucos que conseguiram sobreviver passaram o resto da vida numa espécie de fadiga permanente.

Mas não há motivos para pânico! Afinal, a epidemia veio e foi embora no início do século passado, sem deixar qualquer rastro que seja. Assim, apesar do medo mortal de dormir para sempre (trocadilho infame), estou tranquilo e curtindo muito as férias! Não vão cismar com isso hein! Haha!

Para saber mais:

Breve história de quase tudo - Bill Bryson
A história e suas epidemias - Stefan Cunha Ujvari

Grande abraço!

-- Thiago Amorim

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Aos amigos!



A quinze dias do fim o cheiro de mofo impregna tudo... O ano, que ao término do que passou era novo, não é mais o mesmo, é apenas um moribundo prestes a desencarnar. E como em tudo que acaba, há o lamento, a nostalgia; não importa o quão ruim o defunto tenha sido.

Diante do novo o repertório se repete. Surgem mais uma vez as expectativas, os desejos, as emoções. A esperança de que tudo será bom, que a vida irá melhorar, que o ano que nasce trará paz e bonança. O momento é de olhar para frente, de conformar-se com o que aconteceu e sonhar com um futuro melhor; mais uma vez.

O eterno ir e vir do tempo nos deixa frustrados, animados, pensativos, cansados, felizes; tocados e emocionados com mais do mesmo. Não fosse a existência da amizade essa perpetuação contínua de flashbacks tiraria o sentido da nossa existência.

Para quem não sabe o perseguido e famoso “sentido da vida” está na maneira como nos relacionamos com os outros. Nos amigos que fazemos; nas experiências que trocamos.

Esse ano foi muito difícil em diversos aspectos. Ganhei algumas coisas, perdi muitas outras. Mas o que importa é o grande número de pessoas que conheci, as amizades que construí, e as que mantive firmes, mesmo com seus percalços e contratempos. 

Assim, agradeço aos meus queridos e amados amigos, aqueles sem os quais não poderia viver; sem os quais não valeria a pena viver. Obrigado por me acompanhar nessa caminhada, por me fazer feliz... 

Grande abraço!

-- Thiago Amorim

sábado, 5 de novembro de 2011

São Longuinho


Estátua de São Longino - Bernini
Localizada em um dos quatro nichos principais
da Basílica de São Pedro, Vaticano
Conhecido em todo o Brasil graças à famosa simpatia dos três pulinhos, São Longuinho é uma das figuras mais emblemáticas do cristianismo. Guardião da “Lança do Destino”, Longino (nome real da figura) tornou-se mártir cristão após afastar-se do exército romano e pregar a palavra de Jesus Cristo.          

Segundo a tradição, um dos centuriões que participaram da crucificação naquele fatídico dia, perfurou o profeta com o objetivo de constatar a sua morte. Após o contato entre a lança e o corpo morto, um líquido foi expelido e caiu diretamente sobre os olhos de Longino. O soldado, que tinha um grave problema de vista, curou-se imediatamente, levando-o a converter-se ali mesmo ao cristianismo.

Nos anos seguintes, Longino viajou o mundo pregando a palavra de Jesus Cristo e contando o milagre que o livrou da cegueira. Sua atitude o transformou em mártir da Igreja, já que devido às suas crenças foi severamente machucado e assassinado. Conta-se que antes de morrer teve orelhas, nariz, dentes e língua arrancados.

Apesar do fim do seu guardião, a lança do destino (sim, a mesma que perfurou Cristo) não foi destruída. Ela ficou perdida durante muitos séculos até chegar às mãos dos cruzados por volta do século XI. A relíquia despertou o interesse de diversos monarcas e dirigentes políticos, devido à lenda de que daria poderes mágicos a quem a possuísse. A existência ou não da lança, entretanto, é muito contestada, e é consenso entre estudiosos que o seu encontro pelos cruzados foi uma fraude.

Hoje o objeto encontra-se sob o poder da Igreja de Roma, guardada junto à estátua do Santo em um dos quatro nichos principais da Basílica de São Pedro. Lá também estão guardados um fragmento da “verdadeira cruz” trazida por Santa Helena, o véu de Verônica, e até pouco tempo as relíquias de Santo André. Todos os objetos permanecem junto às estátuas de seus “santos correspondentes”.

A história da lança acaba aí. O lance dos três pulinhos ninguém sabe de onde surgiu. Por via das dúvidas, quando pedir algo a São Longuinho pague os seus pulinhos! Afinal, ele esteve tão perto do Cristo que deve ter alguma moral com o profeta!

Grande Abraço!

-- Thiago Amorim

Curiosidades:

- Segundo alguns, Hitler esteve muito interessado na Lança do Destino e seus poderes mágicos;

- Outras personalidades envolvidas com o objeto seriam Frederico Barbarossa e Carlos Magno (sérios problemas históricos comprometem a versão de que o segundo entre esses tivesse acesso à relíquia, afinal de contas, o tal encontro do objeto só ocorreu muitos anos após sua morte);

- No filme Constantine a Lança do Destino faz parte essencial da trama.


- Existem outras histórias e outras lanças espalhadas pelo mundo. A que está em poder do Vaticano é apenas uma das consideradas pertencentes ao Santo;

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

As outras Brasílias


Há centenas de anos a ideia de haver uma mudança da capital do Brasil para o interior vinha sendo debatida. Após muito tempo de discussão e estudos, finalmente a mudança ocorreu sob o governo de Juscelino Kubistchek. O presidente lançou o concurso para o plano de construção da nova cidade e vários arquitetos e urbanistas propuseram soluções. O plano piloto criado por Lúcio Costa foi o vencedor, mas projetos idealizados por outros arquitetos e urbanistas também se destacaram pela qualidade e inventividade, tendo sido, entretanto, esquecidos; guardados da vista do público.

Assim, com o intuito de apresentar essas “outras Brasílias”, abaixo segue uma sequência de imagens de alguns dos “planos pilotos” que perderam o concurso.  








Aqui a formação de diversos núcleos urbanos,
lembra um pouco as "superquadras" criadas por Lúcio Costa,
mas em escala gigantesca
  


Nesse projeto, é possível ver facilmente a
formação da bandeira do Brasil ao centro



O diferencial desse projeto, está nas gigantescas torres
que teriam centenas de metros de altura
 



-- Thiago Amorim

Sobre a construção de Brasília: 

Para saber mais:




terça-feira, 4 de outubro de 2011

A Estátua da Liberdade


Construída há quase 125 anos, a Estátua da Liberdade é certamente um dos monumentos mais conhecidos e visitados no mundo. A sua localização na entrada do porto de Nova York, e a enorme carga ideológica que carrega, certamente são os motivos por trás de tanta fama. O que muita gente não sabe é que ela não foi construída pelos americanos, e sim doada pela França como um presente que simbolizava a amizade entre os dois países.

Os planos para a doação iniciaram-se em 1865, mas arrastaram-se por cerca de vinte anos até que finalmente se realizassem. O escultor Frédéric Auguste Bartholdi ficou encarregado de elaborar o modelo e a construção em cobre da estátua. A estrutura interna, que a sustenta até hoje, foi projetada por Eiffel (o mesmo que construiu a famosa torre homônima em Paris).

No acordo de doação os norte-americanos ficaram encarregados de construir o pedestal e os franceses a estátua. A ilha, que hoje é o parque da liberdade, era o lugar de um forte do exército e foi escolhido para a instalação da estrutura devido a sua localização e relevo. O dinheiro para a realização da obra veio de doações tanto nos EUA como na França, através de centenas de eventos, dos mais variados tipos, que foram organizados com o intuito de angariar fundos para o projeto.

Em 1884 a estátua ficou pronta em Paris. O gigantesco espetáculo proporcionado por sua finalização só seria igualado com a exposição universal de 1889. Os trabalhos seguiram pelos anos seguintes do outro lado do Atlântico, enquanto o pedestal era finalizado. A estátua foi então desmantelada, e enviada por partes para a montagem em Nova York. Em 28 de outubro de 1886 foi inaugurada e o trabalho deu-se por encerrado.

Em pouco tempo “A liberdade iluminando o mundo”, tornou-se o símbolo dos Estados Unidos. Por causa de sua importância, terroristas já a atacaram e causaram sérios danos à sua estrutura. Nos últimos anos, com o aumento da ameaça de ataques, a segurança do local foi reforçada e vários pontos da estátua tornaram-se restritos aos turistas. Apesar das dificuldades de acesso, ela continua sendo um dos pontos turísticos mais visitados do mundo.

-- Thiago Amorim

Curiosidades:

- A Estátua foi oferecida primeiramente ao Egito, que não aceitou o presente;

- Sua altura é de cerca de 90 metros contando com o pedestal;

- Da sua inauguração até 1902 ela serviu como um farol que funcionava com energia elétrica (o primeiro do tipo no mundo);

- Durante a colocação do braço que segura a tocha, um erro de instalação fez com que o local se tornasse instável. Esse erro seria consertado apenas em 1986, depois dos trabalhos de restauração do monumento realizados naquele ano;

- A tocha foi trocada após a restauração de 1986;

- Existem três réplicas da estátua que saíram da mesma fundição que a original. Duas delas estão em Paris;

- A última das três está em Maceió, Alagoas, em frente ao Museu de Imagem e som, no bairro do Jaraguá.

Saiba mais em: http://www.nps.gov/stli/index.htm (site em inglês)

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

As intermitências da morte


O primeiro livro que li do Saramago me deixou confuso. Sim, confuso. E confuso pelos sentimentos, pelas emoções que senti enquanto o lia. Mais tarde um amigo iria me dizer que aquele era o mais simples entre todos do autor, o que menos despertava interesse no leitor. Eu não concordei com ele, é claro. O tal livro, “Ensaio sobre a cegueira”, deu origem a um filme, muito bom também, e que foi visto por milhões de pessoas. Um conselho? Leia o livro primeiro e veja o filme depois!

Mas não é sobre esse livro que quero falar, e sim sobre o que li recentemente, “As intermitências da morte”. O livro começa assim: “E no dia seguinte, ninguém morreu.” Quer começo mais chocante? Mais incentivador? Passado o júbilo diante do fato, o país fictício criado por Saramago, vê-se diante de uma crise interminável. O que fazer com os “não-mortos”? O que os “mortos-vivos” sentem ou pensam? E por fim, onde está a morte?

A morte, por sua vez, não dá as caras por um longo tempo, e um grupo é criado para se livrar dos novos “indesejáveis”. A “máphia”, com ph mesmo, para diferenciar-se da outra, traz uma solução, que apesar de promissora no início, trará no futuro problemas diplomáticos terríveis, com iminência até mesmo de guerra. No fim, não é só a população que sofrerá com o sumiço da morte. Em breve, ela mesma perceberá as consequências de sua decisão.

Numa sátira incrível e bem humorada, Saramago nos faz pensar sobre política, religião, e relações humanas. E também perceber que o que vemos como grandes problemas, como a morte, por exemplo, pode ser o que mais desejamos.

Depois de meses com apenas dicas “indiretas” de livros, eis uma bem “direta” agora. É tão bom que o li em um dia apenas!

-- Thiago Amorim

P.S. No fim das contas foram duas dicas! Ou seriam três? 
Abração...

terça-feira, 6 de setembro de 2011

World Trade Center



Nas décadas de 1950 e 1960 New York vivia com um problema de difícil solução. Por se tratar de uma ilha, a cidade não dispunha de espaço suficiente para a ampliação dos centros financeiros, em especial aquele próximo a Wall Street. O então governador do estado, Nelson Rockefeller, imaginava uma reestruturação e revitalização da região sul de Manhattan, de forma a garantir uma expansão dos negócios.

Assim, diversos estudos foram iniciados e a conclusão a que se chegou é de que no lado sudoeste da ilha havia um espaço interessante a ser aproveitado. Para isso, milhares de pessoas seriam removidas, casas destruídas e negócios deslocados. Um espaço gigantesco seria demolido e no local se ergueria o futuro World Trade Center.

Os planos para o local incluíam enormes torres de escritório e bilhões de dólares em investimentos. O projeto arquitetônico foi criado pelo arquiteto nipo-americano Minoru Yamasaki, cuja solução para os exigentes códigos construtivos da cidade estava na criação de um complexo com duas torres gigantescas, as maiores do mundo à época, e uma enorme praça cercada de edifícios com uma escultura no centro. O resultado agradou o governador e a municipalidade.

As obras iniciaram-se em 1966 com as escavações do local. Tamanha foi a quantidade de terra e rochas retiradas do que seria a base dos prédios, que Manhattan ganhou uma expansão para oeste. Esse novo terreno viria a ser futuramente o Battery Park City e o World Financial Center. O progresso da construção foi um sucesso. Os andares subiam no ritmo de um por semana e a silhueta das torres tornava-se cada vez mais marcante no horizonte da cidade. O sucesso na obra não se repetia na opinião dos moradores de New York. A maioria detestava o projeto e o condenava pelo seu estilo moderno e simplista.

Mas os anos passaram, a obra prosseguiu, e as torres ficaram prontas. Eram os maiores prédios do mundo e indiscutivelmente uma façanha da arquitetura e engenharia modernas. Milhares de pessoas trabalhavam no local e milhares de outras o visitavam todos os dias.  Apesar das críticas, em poucos anos tornou-se o símbolo da cidade.

E por ser símbolo, o World Trade Center enfrentaria duas grandes tragédias. A primeira em fevereiro de 1993, com a explosão de um caminhão bomba, matou seis pessoas e deixou mais de 1.000 feridas. A segunda em 11 de setembro de 2001, quando aviões sequestrados por terroristas se chocaram contra os prédios principais do complexo e o destruíram completamente, deixou quase 3.000 mortos. Segundo a versão oficial, os terroristas responsáveis eram extremistas islâmicos, que viam no poderio americano uma ameaça à sua religião.

O curioso nesses fatos é que a proposta de construção de Yamasaki, onde o vazio da praça seria preenchido pelas pessoas em volta da estrutura no centro, vinha da inspiração na Caaba muçulmana, o Templo de Meca. No fim das contas, os terroristas destruíram uma representação do seu mundo ideal, mesmo que a seus olhos tivesse se tornado blasfema.

Minoru Yamasaki, que via na construção do complexo um símbolo da paz mundial através do comércio entre as nações, não viveu tempo suficiente para ver sua criação destruída. Morreu em 1986 deixando um legado de obras tanto no mundo muçulmano quanto no judaico-cristão ocidental.

-- Thiago Amorim

Curiosidades:

- Em 1974, Philippe Petit, um equilibrista francês, atravessou clandestinamente o espaço entre as duas torres;

- Em 1975 um grande incêndio atingiu a torre norte, que não sofreu problemas estruturais significativos;

- 50.000 pessoas trabalhavam no WTC;

- O número de visitantes chegava a 200.000 por dia;

- Cada torre tinha 99 elevadores e três escadas;

- O WTC contava com duas torres de 110 andares, e mais cinco prédios cujo número de pavimentos estava entre seis e 47;

- O WTC contava ainda com um Shopping Center, um hotel classificação “4 diamantes”, um posto de observação no topo da torre sul, um restaurante no 107º andar da torre norte e um estacionamento para 2.000 veículos;

- Era o maior complexo de escritórios do mundo com 1.240.000m² de espaço arrendável, e tinha seu próprio código postal;

- Um novo World Trade Center está em construção em Manhattan e deve ficar pronto até 2014.

domingo, 4 de setembro de 2011

Uma breve história da Igreja Católica - Parte 4



O reino da Itália foi unificado na década de 1870. A cidade de Roma foi o último baluarte da resistência papal, mas caiu sob os rebeldes que lutavam pela causa do rei. A base legal que sustentava a existência dos Estados Pontifícios estava em um documento conhecido como a “Doação de Constantino” e que legava o Império Romano ao Papa. Tudo, obviamente não passava de uma fraude medieval. Pio IX, entretanto, se dizia cativo do rei da Itália em sua própria casa, e nunca aceitou fazer qualquer tipo de acordo com seu governo que pudesse legitimar a tomada da Cidade Eterna.

O Século XIX trazia um progresso sem precedentes para o mundo. A formação das grandes potências imperialistas européias, a disseminação da revolução industrial e o advento da ciência moderna moldavam um mundo cada vez mais centrado na razão. A fé e a religião como guias da humanidade não mais fazia sentido. A Igreja romana experimentava uma época de crise e esvaziamento. O Papado já não podia ditar regras ao mundo e estava cada vez mais legado ao ostracismo político. Isso ficou muito claro, quando ao fim da Primeira Guerra Mundial, a Igreja não foi ouvida nas negociações de paz.

As finanças da Igreja na virada do século XIX para o XX também não se sustentavam. O Papa vivia em petição de miséria, cercado de palácios e igrejas em ruínas. Mas com a ascensão de Mussolini ao poder na Itália, e o Tratado de Latrão em 1929, a Igreja pôde reaver um pouco de sua glória. A região do Vaticano foi transformada em um Estado soberano dentro dos limites de Roma. Mussolini também deu uma excelente compensação financeira pelos territórios tomados dos antigos Estados Pontifícios, e privilégios de extraterritorialidade para Castel Gandolfo e as três Basílicas maiores de Roma.

Apesar de sua perda de “funções” na sociedade, havia algo defendido pela Igreja desde tempos imemoriais que se mantinha firme: a perseguição aos judeus e a sua transformação em cidadãos de segunda classe. Essa postura seria levada ao extremo com o nazismo e a solução final para os judeus na Alemanha, o Holocausto (fruto do Darwinismo social muito incentivado à época). O extremismo do Füher alemão iria ao final levar as pessoas a esquecerem que atitudes parecidas haviam sido perpetradas pela Igreja de Roma e boa parte do mundo ocidental durante séculos. Um excelente “bode expiatório” havia sido criado.

Sobre os rumos da guerra, a atitude extremamente neutra de Pio XII não seria esquecida. Ele ficaria conhecido posteriormente como “O Papa de Hitler”, título talvez injusto, já que o Papa ajudou centenas de judeus a escapar da morte nas mãos nazistas. O silêncio da Santa Sé indiscutivelmente foi a melhor escolha racional, mas moralmente um grande erro. Afinal, como representante de Deus na Terra, o Papa tinha obrigação de condenar o regime Nazista, independente do que viesse a acontecer a ele e a Igreja.

Mas a guerra acabou, o Papa morreu e a Igreja, após séculos de poucas mudanças, realizou o Concílio Vaticano II, com o objetivo de adaptar-se ao mundo moderno. Muitos avanços se consolidaram e o Papado readquiriu importância. João Paulo II, com sua imensa popularidade, ajudou os poloneses a destruir a ditadura soviética. Ele também tornou a Igreja mais humana e mais presente e incentivou grupos católicos em diversas partes do mundo. Em contrapartida também perseguiu e condenou alguns outros, como os ligados a teologia da libertação. No fim das contas, sua morte em 2005 foi um choque para o mundo cristão.

Choque ainda maior tem sido os escândalos sexuais que têm abalado a fé na Igreja. Clérigos, padres, bispos. Centenas de acusações contra eles surgem todos os anos, transformando esses fatos em uma grande vergonha para a Santa Sé. Ainda que o Papa atual, Bento XVI, tenha sido acusado de fechar os olhos a esses fatos; que continue condenando o aborto, o uso da camisinha e a homossexualidade; a Igreja, parece que a seu modo, conseguirá sobreviver. O caminho para essa sobrevivência estão bem definidas nas palavras do Santo Padre, "Uma igreja menor, porém unida". 


E mesmo que 1.700 anos tenham se passado desde sua institucionalização e 2.000 desde a morte do sábio carpinteiro; mesmo que uma chuva de intempéries a tenha acompanhado no decorrer da história; ela ainda assim conseguiu sobreviver. É hoje, de fato, a única instituição a permanecer de pé desde a Antiguidade. Não seria injusto, portanto, admitir que seu pensamento retrógrado possa vir justamente disso.

-- Thiago Amorim

Para saber mais:

Uma história de Deus - Karen Armstrong;
Declínio e queda do Império Romano - Edward Gibbon;
A queda de Constantinopla - Steven Runciman;
Basílica de São Pedro - Esplendor e escândalo na construção da catedral do Vaticano - R.A. Scotti
A história secreta dos Papas - Brenda Ralph Lewis;