A criação de Adão - Capela Sistina |
Tendo Roma caído sob as
mãos bárbaras, ninguém mais tinha o controle da Europa. Um período obscuro e
confuso tomou conta do continente, enquanto vários senhores tentavam dominar os
restos do Império. Uma nova sociedade, uma nova forma de ver o mundo. E após
séculos de confusão, algo se destacou entre os escombros: uma instituição que
monopolizaria todas as esferas da vida européia na época, a Igreja Católica.
Vinda diretamente do
Império Romano, tendo herdado seu legado, a Igreja é mais antiga que qualquer
país Europeu. Durante séculos manteve seus próprios domínios, os Estados
Papais, e de tão poderosa fazia estremecer até o mais rico dos reis.
Mas após séculos
conturbados, que duraram aproximadamente até o ano mil, a Europa sofria novas
reviravoltas. O comércio, as cidades e as Cruzadas trouxeram novas
perspectivas. Uma espécie de reflorescimento econômico mexeu nos alicerces do
poder, e o aumento da população e da riqueza permitiu o surgimento de novos
personagens, os ricos comerciantes, que mais tarde seriam conhecidos como
burgueses.
A Última Ceia - Leonado Da Vinci |
Essa nova classe social
que, ainda no tempo gótico, despontava na Europa, trouxe um caminho sem volta
para o feudalismo: o seu fim. Livres da servidão, os comerciantes viajavam pela
Europa, África e Ásia, entrando em contato com povos e lugares diversos. Foi
apenas questão de tempo até que as ideias do passado mexessem com o presente, e
mudassem completamente o futuro. Quando os escritos gregos foram redescobertos,
tendo a burguesia se interessado apressadamente por eles, o homem voltou a
questionar o universo.
Ainda no início do
século XV, vários pensadores e artistas já se concentravam nos pequenos estados
italianos, e o cerco e a queda de Constantinopla, em 1453, apenas apressou o
processo. A ameaça islâmica no oriente trouxe muitos estudiosos gregos para a
Itália, que em poucos anos tornou-se o novo centro da cultura européia,
conduzindo o continente para o Renascimento artístico e cultural.
Costuma-se dizer que o
renascimento trouxe mudanças significativas no modo de pensar europeu e,
consequentemente, do mundo. Mas a verdade é que as mudanças sociais, políticas
e econômicas que agitaram a Europa e o resto do planeta no período, é que
mudaram o modo de ver o mundo. Após séculos de ressurgimento de cidades, de
construções grandiosas para glorificar Deus e de grandes fortunas acumuladas
através do rentável comércio local e internacional, o mundo europeu sofreu uma
nova reviravolta.
Os escritos de Platão e
Aristóteles, além, é claro, de diversos outros filósofos, pensadores e
estudiosos gregos e romanos, possibilitaram aos europeus uma nova forma de
olhar para o universo. O poder da Igreja talvez não fosse tão justo assim, e
dedicar a vida à glorificação divina podia não ser tão interessante. A visão
antropocêntrica tomava conta do pensamento do homem daquela época. Era ele, e
não Deus, o centro do Universo.
Essa maneira de
observar o mundo a partir do próprio homem é evidenciada na arte e arquitetura
produzidas no período. Se o homem substitui Deus como agente atuante e
transformador do mundo, sua percepção do real e do todo deve ser evidente em
todos os campos do conhecimento. O homem racionalizava suas ambições e as
transportava para suas obras.
Cúpula de Brunelleschi - Florença |
A Cúpula de
Brunelleschi tem um papel central nesse novo esquema. Mais de um século havia
se passado desde o início da construção da catedral em Florença, tendo o seu
povo se resignado pela incapacidade de realizar uma obra tão colossal. Vencidas
as forças da natureza, e desafiando o próprio tempo, o arquiteto/escultor
renascentista provou ser capaz de realizar o impossível. A cúpula será, a
partir de então, um tema recorrente. O homem conseguiu dominar a natureza e
colocá-la ao seu próprio serviço, ainda que nesse caso quisesse glorificar
Deus.
Essa é, inclusive, uma
das contradições do período. Apesar de ser uma época racional, Deus e os temas
santos aparecem em grande parte das obras renascentistas, inclusive naquelas
encomendadas pelos burgueses ricos. Ainda assim, a própria Igreja não exigirá
apenas temas religiosos dos seus artistas, mas também pessoas, paisagens e
situações diversas. E os artistas, por sua vez, rechearão as obras religiosas
com temas pagãos.
O desenvolvimento da
perspectiva possibilitará a realização dessas novas necessidades artísticas que
surgem. Construções esquemáticas, planos centralizados, formas geométricas
“puras”. Em cada obra observada pode-se encontrar elementos que confirmem isso.
Da Vinci, com a Santa Ceia e Jesus ao centro; Michelangelo com a Sistina e o
homem como cópia de Deus; Bramante e seu tempietto de formas simétricas e
centralizadas. Todas as obras evidenciam essa harmonia, pureza e simetria
almejadas.
Pietà - Michelangelo |
A expressividade desse
ser que agora se vê tão grandioso e chefe de si mesmo, o próprio homem, aparece
ainda na pintura, escultura e literatura renascentistas. Na escultura, as
diversas estátuas produzidas no período demonstram esse jogo de sentimentos que
brotam da alma humana. A Pietà de Michelangelo é um desses exemplos, em que
Maria, tão jovem e bela (apesar de provavelmente já ser uma senhora de idade na
época da morte de Cristo), é retratada com um misto de dor e contemplação junto
ao seu filho morto.
Na literatura um dos
maiores expoentes do período é Nicolau Maquiavel, com sua obra “O Príncipe”.
Nela o autor expõe a famosa ideia de que “os fins justificam os meios”, e que,
portanto, os senhores, príncipes e reis podem, e devem, utilizar-se de quaisquer
estratégias, por mais abomináveis que sejam, para alcançar seus objetivos.
Mas a revolução
artística, que começou com os mercadores ricos da Itália e logo foi abraçada
pela Igreja Católica e por todo o continente, iria em breve mudar a situação
política da Europa. A reconstrução pela qual Roma passará no “quatrocento” e “cinquecento”,
com a criação de diversos palácios, igrejas, praças, ruas e conventos, será
absurdamente dispendiosa. Os custos para essa empreitada virá diretamente dos
donativos oferecidos pelos fieis à Igreja. Paralelo a isso, panfletos, livros e
ideias circulam livremente pelo continente. O resultado não podia ser diferente,
e um problema jamais esperado pela Igreja surgirá: a Reforma Protestante!
Grande abraço!
- Thiago Amorim
- Thiago Amorim