quarta-feira, 17 de julho de 2013

Os Estados Pontifícios

Brasão Papal
Apesar de muitas pessoas nunca terem imaginado, o território que hoje é conhecido como Estado do Vaticano é na verdade um último resquício do que um dia foram os Estados Papais (ou Estados Pontifícios). Seu território era vasto e compreendia grande parte das terras da moderna Itália, existindo por cerca de mil anos.

As origens do poder e domínios papais remontam aos tempos de glória do Império Romano. Após a adoção do Cristianismo pelo Imperador Constantino, e a sua oficialização como religião do Império por Teodósio, a Igreja Católica alcançou um status jamais imaginado. Era a representante de Deus na Terra, sob a liderança do Vigário de Cristo, o Papa. Seu poder, que de início era partilhado com o Imperador, tornou-se único e irrestrito após a destruição de Roma pelos povos do Norte da Europa na segunda metade do século V.

Essa situação, entretanto, não era tão confortável. A ameaça dos povos que invadiam a Itália tornou a vida do Clero Romano muito difícil, e a fragilidade do governo de diversos Papas faziam-nos dependentes dos monarcas europeus. Roma nesse período caiu nas mãos de povos diversos, inclusive dos bizantinos no século VI. A ameaça tornou-se tão gritante que até os Sarracenos estabeleceriam um emirado na Península Itálica durante alguns anos.

Mas o poder Papal se tornaria forte exatamente pelas guerras e pela confusão gerada pelos sucessivos povos que iam e vinham pela Itália. No fim das contas, o Papa resolvia questões dinásticas e disputas políticas, agindo como um verdadeiro embaixador de assuntos estrangeiros para cada um dos reinos europeus. Sua bênção instituía ou destruía monarcas, e a fé na Igreja manteve certa coesão numa época em que a Europa mergulhava em caos e disputas mesquinhas. 

Divisão Política da Europa do século XVIII
Os Estados Pontifícios foram formados a partir de várias terras e regiões que iam de Roma até a fronteira com a República de Veneza, e surgiu oficialmente a partir do século VIII, sob a proteção (dominação) do Rei Franco Pepino, o Breve. O futuro Império Carolíngio teria uma relação direta com o Papado, de forma que o reino da França, originado do desmembramento Carolíngio, influenciaria na escolha do Papa até o século XIV, quando o cativeiro de Avignon acabou e o Papa voltou para Roma.

A história dos Estados Papais, portanto, é cheia de reviravoltas, e de mentirinhas também. O documento conhecido como “doação de Constantino” (desmascarado ainda durante a Idade Média) serviu durante algum tempo como legitimador da sua instituição. Seus domínios sofreram expansão e contração contínua, sendo a época do Renascimento o momento de maior esplendor. Sob a mão forte e imperiosa do Papa Júlio II, os Estados Pontifícios alcançaram o seu auge. Várias regiões foram anexadas, tornando-o forte e independente de auxílio estrangeiro. Júlio II também foi responsável pelo surgimento da Guarda Suíça, um corpo de elite preparado para defender o Papa sob qualquer circunstância, e que foi responsável pela salvação de Clemente VII durante o saque de Roma de 1527.

Então mesmo que isso pareça esquisito, o Papa era um soldado, um estadista, e um monarca absolutista de um vasto território europeu. Ele concedia títulos, cobrava impostos e tinha sua própria Corte, captando recursos e destinando-os a diversas empreitadas Roma afora. Eis, portanto, a origem da expressão “príncipes da Igreja”: os Bispos, Cardeais e Arcebispos são Príncipes desse Império Papal espalhados pelo mundo.

Mas apesar da força, do exército, dos recursos e do poder que o Papa tinha, a Idade Moderna lhe preparava uma surpresa. A Itália começou a ser reunida sob um único soberano, e pouco a pouco suas terras foram sendo engolidas pelo novo estado que surgia. Em meados do século XIX, os Estados Pontifícios se resumiam apenas a cidade de Roma, território este que seria tomado pelo Rei Vitório Emanuel em 1870, e o então reino Papal destruído. É claro que Pio IX, o Papa da época da conquista Italiana, não ficaria feliz com isso. Ele pediu ajuda ao mundo para reaver seus territórios, e não aceitou qualquer compensação pela destruição do seu reino.

Bandeira dos Estados Pontifícios
Somente no primeiro quartil do século XX, o papado aceitaria as compensações e faria um tratado com a Itália (Tratado de Latrão de 1929), em que a Igreja teria o Vaticano como um país independente, junto à autonomia de algumas regiões da cidade de Roma (propriedades da Igreja) e do território de Castel Gandolfo.

Hoje os Estados Pontifícios se resumem quase que exclusivamente ao Vaticano, e formam um país independente dentro da cidade de Roma. É o menor território independente do mundo, mas completamente dependente dos recursos vindos de fora de suas terras. Sua população de cerca de mil habitantes dispõe de moeda, banco e correio próprios. Os tesouros acumulados pela Igreja por dois milênios tornam-na incrivelmente rica, e sem dúvida é a única instituição em toda a história a sobreviver durante tanto tempo.

Os Papas da nossa época não têm a ínfima parte da força que seus predecessores renascentistas tiveram, mesmo que seu poder temporal ainda exista. É uma sociedade medieval que perdura no mundo moderno, e que por isso às vezes parece meio deslocada dentro dele. Mas mesmo que os críticos tentem deslegitimar o seu papel, o papado perdura como uma instituição indispensável para a fé do mundo católico contemporâneo. 

-- Thiago Amorim

Para saber mais:

"Declínio e Queda do Império Romano" - Edward Gibbon
"Basílica de São Pedro - Esplendor e Escândalo na Construção da Catedral do Vaticano" - R.A. Scotti
"Carlos Magno" - Jean Favier

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

O Barroco

Caravaggio - Pintura de Ottavio Leoni
Toda a tradição artística e cultural criada nos períodos Renascentista e Maneirista continuarão presentes no Barroco, embora essa nova corrente artística crie suas próprias formas de ver o mundo e apreciar a fé. Fruto da contra-reforma em Roma, mas também da ascensão do absolutismo em várias partes da Europa, o barroco se tornará um estilo arquitetônico próprio, que estará presente, a partir de então, em várias partes do mundo, inclusive a América, e até mesmo no longínquo Oriente.

Após a Reforma, a Igreja buscou diversas formas de se manter firme e poderosa novamente. Apesar de ter fracassado em diversas frentes, como na Inglaterra, por exemplo, os católicos triunfaram em vários lugares do norte da Europa, na França, na Itália e na Península Ibérica. Mas os tempos de Papas libidinosos e, até mesmo criminosos, haviam passado. A Igreja conseguiu reformar-se, diminuindo as despesas e as orgias papais.

O momento histórico, entretanto, exigia uma nova forma de mostrar a fé e glorificar a Deus, numa tentativa de transformar os devotos em verdadeiros súditos de Roma. E a melhor forma encontrada para a realização desse ideal pelos artistas barrocos é a teatralização e a espetacularização da própria fé.
A captura de Cristo - Caravaggio
A pintura da época experimentará, através das obras de Caravaggio, essa primeira fase de aprofundamento das sensações. O maneirismo já havia iniciado o processo de teatralização das cenas representadas, inclusive adicionando pessoas comuns aos temas realizados. O Barroco, entretanto, avançará sobre os limites maneiristas, aliando teatralização, realismo e sensualidade. Caravaggio pintará temas religiosos com profunda crueza e realismo, chocando a sociedade da sua época.

Mas o passo já estava dado. O Barroco triunfaria como modelo artístico predominante no século seguinte, trazendo para todos os setores da sociedade sua forma teatral e sensual. As obras artísticas não mais retratarão apenas os ricos e poderosos, mas também pessoas comuns, como plebeus, servos e ajudantes. O próprio Caravaggio utilizará em muitas das suas obras pessoas comuns como modelos para a Virgem Maria, os anjos, santos e o próprio Redentor da humanidade. As diversas obras realizadas em Roma no período são exemplos diversos dessa nova forma de enxergar o mundo.

Na arquitetura, modelos não faltam. A Basílica de São Pedro, a obra que causou a discórdia cristã, é um dos exemplos mais grandiosos da arquitetura barroca religiosa. Apesar de a obra ter avançado do Renascimento até o fim do período barroco, seu interior foi decorado quase que inteiramente sob esse estilo arquitetônico. As diversas estátuas, nichos, “apetrechos e penduricalhos” que enfeitam a basílica deixam qualquer visitante boquiaberto. E o que é mais impressionante, tudo soa perfeitamente harmonioso, mesmo que num caos de elementos decorativos.

Baldaquino de bronze - Basílica de São Pedro
O altar-mor, o baldaquino, a nave central com seus nichos e estátuas colossais, formam um conjunto tão bem acertado, tão profundamente místico e teatralizado, que parecem diminuir a proporção magnânima da basílica. Os “espectadores” que se prostram diante do enorme colosso de bronze têm uma visão enquadrada da Glória de Bernini no altar ao fundo. É como se o arquiteto tivesse colocado o imenso dossel de metal ali, apenas com a intenção de emoldurar o fundo fantástico da construção. O Baldaquino serve também como elemento de conexão entre o piso da basílica e a gigantesca cúpula cem metros acima, sem o qual o espaço ficaria completamente desconectado do resto do conjunto.

Imaginar proezas tão incríveis pode parecer difícil, mas os artistas barrocos conseguiram realizar obras perfeitamente realistas e emocionantes, utilizando para isso de ângulos diversos, formas elípticas e a conexão entre os objetos existentes nos ambientes. Cada estátua presente no local está relacionada à seguinte. Não existe elemento solto ou perdido, todos são conectados entre si. E essa é uma característica presente em todas as obras barrocas.

Praça e Basílica de São Pedro - Vaticano
A Praça diante da Basílica é outro exemplo extraordinário. Terminada a fachada, São Pedro pareceu extremamente pesada para quem a contemplava de fora. A solução encontrada para minimizar esse efeito foi transformar a praça num gigantesco elemento elíptico (o local antes era um imenso retângulo), que com a colunata grandiosa, encimada pelas 140 estátuas de santos e mártires, formam um abraço gigante sobre os devotos. Mas para os desavisados há também um elemento teatral nesse lugar. O escorço, tão conhecido pelos gregos e usado em grande escala pelos renascentistas, dá aqui o ar da graça novamente.

As colunas gigantes não estão centralizadas de acordo com o obelisco localizado no centro da praça. Isso foi feito para tentar disfarçar a diferença de dois graus entre o obelisco e a nave de São Pedro. No ponto em que os dois braços da colunata se encontram com as alas laterais que levam até a entrada da igreja, foi possível cortar o efeito horizontal da fachada. O resultado é um abraço gigantesco nos devotos que ali se encontram, e um enquadramento perfeito para a Basílica ao fundo. A Via della conciliazione[1], logo antes da Praça Pio XII e da Praça da Basílica, maximiza esse efeito.

Mas o Barroco não irá apenas aparecer nas obras religiosas. A França de Luís XIV servirá de terreno para a construção e consolidação do Barroco em outras partes da Europa, fora da esfera de influência italiana. E as realizações ali presentes evidenciarão mais uma vez as enormes transformações pelas quais a sociedade européia passava; o surgimento de um novo mundo centrado no absolutismo monárquico e nos mimos de um rei caprichoso e narcisista, que buscava através da pompa e da teatralidade consolidar seu poder sobre todos os plebeus, nobres e o próprio clero do seu país.
Galeria dos espelhos - Versailles
O palácio de Versailles é a representação em pedra do auge do absolutismo francês, e consequentemente do Barroco naquele país. Transferindo a corte de Paris para essa pequena vila, distante apenas alguns quilômetros da capital, Luís XIV construiu um mundo de sonhos e luxo jamais imaginados. Os súditos que o visitavam com certa frequência, ficavam chocados e extasiados com os objetos, construções, jardins e espetáculos que presenciavam. O Rei existia para governar, era a “cabeça” por trás do país. Nas palavras do próprio Luís XIV: “O estado sou eu”.

As formas arquitetônicas centralizadas, as enormes galerias recheadas de pinturas fantásticas, os diversos jardins, fontes, e até mesmo as roupas das pessoas que ali viviam formavam um espetáculo grandioso. O rei buscava, através do luxo, evidenciar sua importância e o seu poder. Todo esse esbanjamento era garantido pela exploração do povo da França, e no futuro traria sérios problemas para os nobres e para a coroa. As cabeças, literalmente, rolariam anos depois.

Mas o Barroco ainda atravessaria meio mundo antes de finalmente sucumbir. E suas características avançariam pela Holanda, pela Alemanha, pela América, e influenciariam até mesmo os maiores inimigos da fé cristã, os Turco-otomanos, no Oriente.

Grande abraço!

-- Thiago Amorim




[1]  Apesar da via ter sido projetada ainda no século XVII, só foi construída no século XX, a mando de Mussolini, como parte das compensações feitas à igreja pela perda de Roma e dos Estados Papais. Diversos arquitetos contemporâneos à obra não ficaram felizes pelo borgo existente no local ter sido removido para a construção da avenida.  

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Maneirismo

Papa Júlio II - Sua decisão de pôr abaixo a
antiga Basílica e erguer uma nova e fabulosa
construção, acarretou profundas mudanças
no cristianismo ocidental

Num dia de abril do ano de 1506, sob o ar pesado de Roma, um homem observava à colocação da pedra fundamental daquela que seria a maior Igreja do mundo. O homem era o Papa Júlio II, a igreja, a Basílica de São Pedro. O desenvolvimento e a construção desse gigantesco empreendimento envolveria os maiores artistas da Renascença, desde Bramante, passando por Rafael e culminando com Michelangelo, e avançaria ainda mais longe, atingindo o período mais proeminente do Barroco. O Papa jamais veria o prédio concluído, e nunca imaginaria o catalisador no qual ele se transformaria para um dos períodos de maior crise já enfrentados pela Igreja Católica Romana.

Quando da morte do Papa, a igreja tinha uma evolução pequena nas obras, mas gastos exorbitantes, cujos números não paravam de subir. Para garantir o prosseguimento da construção, Júlio II havia ordenado a venda de indulgências que garantiriam a salvação da alma daqueles que contribuíssem financeiramente para a obra. Essa ideia foi seguida pelo Papa seguinte, Leão X, um famoso perdulário dos recursos da Santa sé, cujo pontificado desastroso culminou com as famosas teses de Wittenberg escritas por Lutero.

Lutero - Suas ideias destruíram para
sempre a unidade do cristianismo
no Ocidente
Escandalizados com os absurdos cometidos em Roma, católicos em toda a Europa ficavam cada vez mais impacientes com o que estava acontecendo. Lutero, um monge alemão, tornou-se um símbolo da oposição à forma como a Igreja era conduzida, tendo obtido apoio de diversos príncipes, padres e reis europeus. Era questão de tempo até que uma mudança apocalíptica acontecesse. O resultado mais concreto dessa revolta generalizada contra Roma foi o saque de 1527, no pontificado de Clemente VII. Segundo relatos de cronistas da época, nem mesmo os bárbaros infligiram tantos males à santa cidade. Era consenso entre muitos que, após tantos problemas e imensa revolta popular, a Igreja estava fadada à destruição.

A saída encontrada pelos Papas posteriores aos Médici para enfrentar a crise ficou conhecida como a Contra-Reforma. A Igreja tentaria readquirir sua grandeza por meio de diversas ações e da instituição de um exército de padres devotos à sua causa, a Companhia de Jesus. A inquisição também foi reinstituída.

Mas as coisas não correriam tão bem como se imaginava. As ações de mudança na forma de conduzir a Igreja tiveram seus efeitos, mas não acabaram com o cisma. A partir de então, o Cristianismo ocidental se ramificaria em diversas religiões e seitas independentes entre si, longe do julgo de Roma: Calvinistas, Anglicanos, Luteranos. E essas são apenas algumas das novas doutrinas!

Esse novo período da história humana, que marca uma transição na forma de ver e enxergar o mundo levou o Renascimento a um momento de enrijecimento e, por fim, de transformação, que para muitos ficou conhecido como maneirismo. Era uma época de mudanças surpreendentes. A colonização do Novo Mundo, a ascensão dos grandes impérios coloniais e a destruição das culturas indígenas na América, são apenas algumas delas.

Outro ponto, tão importante quanto os destacados, foi a perda da certeza sobre o modo de ver o mundo. Um novo continente havia sido descoberto, com sociedades, ideais e religiões próprias. O mundo era redondo, e o sol não girava em torno dele! O homem começava a duvidar de si mesmo, da sua capacidade de compreender o universo. Esse momento de dúvida, desespero e agonia é representado pelas novas formas artísticas que surgem.
A última ceia - Tintoretto
Na pintura, as obras começarão a ficar cada vez menos centralizadas num personagem específico, e tomar ares confusos e desconexos. As diversas representações da Santa Ceia no período mostram Jesus Cristo perdido na multidão de personagens ali apresentados, atuando como “mais um entre outros”, como “um de nós”. Na obra “A ceia” de Tintoretto, podemos ver com perfeição esses elementos, já que o ambiente em que a refeição é realizada está repleto de personagens vagando pelo local, comendo e conversando, e com o profeta num plano menos destacado, mais próximo dos mortais que estão ali presentes.
A crucificação - Tintoretto
Até mesmo passagens bíblicas mais impactantes, como a crucificação, tomarão formas menos contemplativas. Veremos diversos personagens que parecem apenas passar pelo local, exércitos que se dirigem a um local qualquer, cenas que parecem continuar, mas que não são representadas completamente na obra produzida. A confusão de sentimentos, da fé e a perda de confiança no conhecimento humano não poderiam ser mais bem representadas.

No campo da escultura teremos mudanças significativas. As obras que, até então, mostravam imagens menos tensas, começarão a deslocar o ponto de representação para o clímax dos temas. Cabeças cortadas, sangue esvaindo, corpos dilacerados, deformados ou completamente dobrados. As personagens criadas beberão da “fonte de Michelangelo”, mas seguirão adiante com posições, formas e enquadramentos mais complexos, mais chocantes.

Villa Rotonda - Palladio
A arquitetura terá uma mudança também, principalmente no que tange à localização dos edifícios. A Europa do fim do Medievo e início do Renascimento legou às cidades suas maiores obras arquitetônicas. A Europa maneirista fará uma nova visita ao campo, com construções de casas, mansões e vilas de caça, de descanso e de passeio. A Villa Rotonda, em Vicenza, é um dos maiores exemplos dessa nova arquitetura, que utilizando o classicismo ao extremo, acaba por criar obras artísticas até mesmo onde antes seria impensado construí-las. Utilizando-se dos ideais vitruvianos e renascentistas, Palladio cria um modelo arquitetônico que será seguido por séculos. O homem burguês, ligado às áreas urbanas, começará a se deslocar ao campo novamente, mesmo que na maioria dos casos apenas para seu próprio divertimento. E o resultado de tantas transformações em todos os campos da cultura européia, culminará num novo estilo, o Barroco.

Grande abraço!

-- Thiago Amorim

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

O Renascimento

A criação de Adão - Capela Sistina

Tendo Roma caído sob as mãos bárbaras, ninguém mais tinha o controle da Europa. Um período obscuro e confuso tomou conta do continente, enquanto vários senhores tentavam dominar os restos do Império. Uma nova sociedade, uma nova forma de ver o mundo. E após séculos de confusão, algo se destacou entre os escombros: uma instituição que monopolizaria todas as esferas da vida européia na época, a Igreja Católica.

Vinda diretamente do Império Romano, tendo herdado seu legado, a Igreja é mais antiga que qualquer país Europeu. Durante séculos manteve seus próprios domínios, os Estados Papais, e de tão poderosa fazia estremecer até o mais rico dos reis.

Mas após séculos conturbados, que duraram aproximadamente até o ano mil, a Europa sofria novas reviravoltas. O comércio, as cidades e as Cruzadas trouxeram novas perspectivas. Uma espécie de reflorescimento econômico mexeu nos alicerces do poder, e o aumento da população e da riqueza permitiu o surgimento de novos personagens, os ricos comerciantes, que mais tarde seriam conhecidos como burgueses.
A Última Ceia - Leonado Da Vinci
Essa nova classe social que, ainda no tempo gótico, despontava na Europa, trouxe um caminho sem volta para o feudalismo: o seu fim. Livres da servidão, os comerciantes viajavam pela Europa, África e Ásia, entrando em contato com povos e lugares diversos. Foi apenas questão de tempo até que as ideias do passado mexessem com o presente, e mudassem completamente o futuro. Quando os escritos gregos foram redescobertos, tendo a burguesia se interessado apressadamente por eles, o homem voltou a questionar o universo.

Ainda no início do século XV, vários pensadores e artistas já se concentravam nos pequenos estados italianos, e o cerco e a queda de Constantinopla, em 1453, apenas apressou o processo. A ameaça islâmica no oriente trouxe muitos estudiosos gregos para a Itália, que em poucos anos tornou-se o novo centro da cultura européia, conduzindo o continente para o Renascimento artístico e cultural.

Costuma-se dizer que o renascimento trouxe mudanças significativas no modo de pensar europeu e, consequentemente, do mundo. Mas a verdade é que as mudanças sociais, políticas e econômicas que agitaram a Europa e o resto do planeta no período, é que mudaram o modo de ver o mundo. Após séculos de ressurgimento de cidades, de construções grandiosas para glorificar Deus e de grandes fortunas acumuladas através do rentável comércio local e internacional, o mundo europeu sofreu uma nova reviravolta.

Os escritos de Platão e Aristóteles, além, é claro, de diversos outros filósofos, pensadores e estudiosos gregos e romanos, possibilitaram aos europeus uma nova forma de olhar para o universo. O poder da Igreja talvez não fosse tão justo assim, e dedicar a vida à glorificação divina podia não ser tão interessante. A visão antropocêntrica tomava conta do pensamento do homem daquela época. Era ele, e não Deus, o centro do Universo.

Essa maneira de observar o mundo a partir do próprio homem é evidenciada na arte e arquitetura produzidas no período. Se o homem substitui Deus como agente atuante e transformador do mundo, sua percepção do real e do todo deve ser evidente em todos os campos do conhecimento. O homem racionalizava suas ambições e as transportava para suas obras.
Cúpula de Brunelleschi - Florença
A Cúpula de Brunelleschi tem um papel central nesse novo esquema. Mais de um século havia se passado desde o início da construção da catedral em Florença, tendo o seu povo se resignado pela incapacidade de realizar uma obra tão colossal. Vencidas as forças da natureza, e desafiando o próprio tempo, o arquiteto/escultor renascentista provou ser capaz de realizar o impossível. A cúpula será, a partir de então, um tema recorrente. O homem conseguiu dominar a natureza e colocá-la ao seu próprio serviço, ainda que nesse caso quisesse glorificar Deus.

Essa é, inclusive, uma das contradições do período. Apesar de ser uma época racional, Deus e os temas santos aparecem em grande parte das obras renascentistas, inclusive naquelas encomendadas pelos burgueses ricos. Ainda assim, a própria Igreja não exigirá apenas temas religiosos dos seus artistas, mas também pessoas, paisagens e situações diversas. E os artistas, por sua vez, rechearão as obras religiosas com temas pagãos.

O desenvolvimento da perspectiva possibilitará a realização dessas novas necessidades artísticas que surgem. Construções esquemáticas, planos centralizados, formas geométricas “puras”. Em cada obra observada pode-se encontrar elementos que confirmem isso. Da Vinci, com a Santa Ceia e Jesus ao centro; Michelangelo com a Sistina e o homem como cópia de Deus; Bramante e seu tempietto de formas simétricas e centralizadas. Todas as obras evidenciam essa harmonia, pureza e simetria almejadas.

Pietà - Michelangelo
A expressividade desse ser que agora se vê tão grandioso e chefe de si mesmo, o próprio homem, aparece ainda na pintura, escultura e literatura renascentistas. Na escultura, as diversas estátuas produzidas no período demonstram esse jogo de sentimentos que brotam da alma humana. A Pietà de Michelangelo é um desses exemplos, em que Maria, tão jovem e bela (apesar de provavelmente já ser uma senhora de idade na época da morte de Cristo), é retratada com um misto de dor e contemplação junto ao seu filho morto.

Na literatura um dos maiores expoentes do período é Nicolau Maquiavel, com sua obra “O Príncipe”. Nela o autor expõe a famosa ideia de que “os fins justificam os meios”, e que, portanto, os senhores, príncipes e reis podem, e devem, utilizar-se de quaisquer estratégias, por mais abomináveis que sejam, para alcançar seus objetivos.

Mas a revolução artística, que começou com os mercadores ricos da Itália e logo foi abraçada pela Igreja Católica e por todo o continente, iria em breve mudar a situação política da Europa. A reconstrução pela qual Roma passará no “quatrocento” e “cinquecento”, com a criação de diversos palácios, igrejas, praças, ruas e conventos, será absurdamente dispendiosa. Os custos para essa empreitada virá diretamente dos donativos oferecidos pelos fieis à Igreja. Paralelo a isso, panfletos, livros e ideias circulam livremente pelo continente. O resultado não podia ser diferente, e um problema jamais esperado pela Igreja surgirá: a Reforma Protestante!

Grande abraço!

- Thiago Amorim


quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

O êxtase de Santa Teresa


“O êxtase de Santa Teresa” é uma das obras barrocas mais fantásticas produzidas por Bernini. Localizada em uma capela da igreja de Santa Maria della Vittoria, em Roma, a escultura representa o encontro de Santa Teresa de Ávila com um anjo, cuja flecha trespassou-lhe o corpo e a fez encontrar-se diante do amor divino. Mas o que os observadores da obra conseguem ver ao deparar-se com a escultura é algo, no mínimo, diferente. A Santa está com uma expressão sensual, largada a um prazer aparentemente carnal, enquanto o anjo sorri e olha para ela.

As características presentes no Barroco evidenciam-se já nesse plano. A mescla entre o profano e o sagrado, que no barroco será levada ao ápice, torna-se praticamente o tema da obra. Há também um jogo de posições entre os personagens, cuja relação simbiótica é notória. A presença de cada um deles é extremamente importante para o outro, de forma que se os dois fossem separados não funcionariam como peças escultóricas, e se tornariam completamente deslocados em qualquer plano que fossem colocados.

Podemos observar também um enorme entablamento, que apesar de aparentar o estilo clássico, na verdade apresenta as voltas e formas côncavas e convexas do barroco. Há nela também uma descontinuidade, com um recuo profundo, que faz as laterais se sobressaírem ao centro do frontão. Essa forma nos lembra o teatro,  induzindo-nos a crer que as figuras estão a apresentar-se num palco.

Os diversos tipos de mármores utilizados, em cores e formas diversas, além da dramática luz que aparentemente surge do nada sobre a peça, iluminando o conjunto escultórico e o bronze (que forma os raios por trás e por sobre as figuras escultóricas), evidenciam mais fortemente as características barrocas. E o que falar da obra como um todo? A própria colocação das peças sobre o altar ao qual estão inseridos proporciona uma carga dramática tão fabulosa que faria chorar (ou corar) o mais insensível dos fiéis que ali se encontrasse.

Grande abraço!
-- Thiago Amorim

domingo, 15 de julho de 2012

A Basílica de São Marcos


Basílica de São Marcos - Vista da praça


Localizada no centro da cidade de Veneza, ao lado do Palácio dos Doges e da famosíssima Praça de São Marcos, a Basílica é talvez a mais oriental das igrejas do Ocidente. Durante séculos simbolizou a estabilidade e a grandeza da Sereníssima República de Veneza, ostentando joias preciosas e fabulosos tesouros. Sua planta em estilo bizantino baseou-se abertamente na famosa e lendária Igreja dos Santos Apóstolos de Constantinopla, com seu formato de cruz grega, encimado por cinco cúpulas grandiosas.

Com cerca de 1.200 anos é uma das igrejas mais antigas ainda de pé no mundo. Sua construção iniciou-se no fim do século IX e, após algumas revoltas e destruições, perdurou por todo o tempo em que a República de Veneza era importante, ou seja, pelos próximos setecentos anos. A cada contato com uma terra distante, os mercadores venezianos traziam artefatos para presentear a igreja, tornando-a incrivelmente rica.

Planta Baixa da Basílica
A coleção de tesouros da basílica é curiosa, e em alguns casos duvidosa. Tudo foi garimpado através das conquistas da república veneziana em terras distantes, com guerras de extermínio e exploração dos lugares atacados. Os cavalos que decoram a fachada da Basílica, por exemplo, vieram do antigo hipódromo de Constantinopla, cidade esta despojada dos seus magníficos tesouros da Antiguidade pela ambição do Doge de Veneza durante a quarta cruzada.

As relíquias de São Marcos, que deram o nome a Basílica, também têm uma história interessante. Foram encontradas coincidentemente pouco tempo depois do desaparecimento dos restos mortais do túmulo de Alexandre, o Grande, em Alexandria no Egito. Para alguns, as relíquias pertencem ao famoso general Macedônico, enquanto para outros pertencem de fato ao Santo.

A igreja é completamente decorada com mármores de vários tipos, e dos mais diversos lugares. Também há uma fabulosa coleção de mosaicos bizantinos, todos esplendorosamente recheados de generosas quantidades de ouro. E não se deve esquecer o incrivelmente belo e fabuloso “Pala D’Oro”, um retábulo feito por ourives constantinopolitanos no século X e ricamente decorado em ouro, metais e gemas preciosas, como rubis, safiras e esmeraldas. Entre as relíquias ainda há o “Ícone da Mãe de Deus de Nikopeya”, roubada de Constantinopla no século XIII, e que figura entre os mais importantes artefatos religiosos presentes na Basílica.

Estátua de São Marcos - Fachada da Basílica
As cúpulas de madeira revestidas com placas de cobre que exibe atualmente foram anexadas num período tardio, para aproximar-se do gótico do Palácio dos Doges, o que explica porque no interior do edifício a igreja tem cúpulas achatadas, lembrando pires, e na parte exterior, cúpulas tão altas e afuniladas. Tanto o interior quanto o exterior são recheados de estátuas de santos e mártires da Igreja Católica.

O famoso campanário, construído diante da Basílica, faz parte do seu conjunto arquitetônico e é uma réplica de mesmas proporções de um mais antigo, destruído em 1902. A reconstrução demorou dez anos, tendo sido o edifício consagrado em 1912 por ocasião da festa de São Marcos.

Nikopeya - Ícone


Mas o triunfo dos venezianos não duraria para sempre. Com o fim do Império Bizantino e o descobrimento da América, seus comerciantes perderiam o lucrativo comércios com a Ásia, e a república entraria em ampla decadência. Quando Napoleão conquistou a Europa, Veneza caiu em suas mãos e foi despojada de seus tesouros. Agora tudo indicava que a gulosa república pagaria seus pecados do passado na mesma moeda.
O destino, entretanto, não seria tão traiçoeiro. Após a queda do egocêntrico Imperador francês, ela seria ressarcida pelos seus prejuízos, mas economicamente continuaria arruinada. Ainda assim, os erros do passado acabaram se mostrando um acerto para o presente: a coleção de tesouros da cidade, aliada a toda a história do lugar, a salvou da derrocada financeira através do turismo moderno.

Com uma história cheia de roubos e saques, cujo Império Bizantino foi sua maior vítima, a Basílica de São Marcos, e a própria cidade de Veneza, na verdade tornaram-se uma importante lembrança daquela sociedade. Quando Constantinopla caiu no século XV, suas instituições foram desmanteladas pelo Império Otomano e várias joias arquitetônicas e culturais perdidas. Não fosse a “guarda” dos artefatos pelos venezianos, muito mais coisas teriam se perdido para sempre. O que nos mostra mais uma vez os irônicos caprichos da história.

Grande abraço!

-- Thiago Amorim

sábado, 14 de julho de 2012

Vive La Révolution


Ela não foi a primeira e muito menos a última, mas talvez tenha sido a mais influente da história mundial. A queda da nobreza, a perseguição ao clero, o extermínio do rei e a ascensão da burguesia foram choques tão profundos nos velhos e enrijecidos estados europeus, que a tornou a mais lembrada das insurgências populares até os nossos dias. Seus ideais de “liberdade, igualdade e fraternidade” perduraram pela história, servindo de modelo para inúmeras outras revoluções pelo mundo, e inspiraram a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
A liberdade guiando o povo - Delacroix
Estou falando da Revolução Francesa de 1789 que, tradicionalmente, é comemorada no dia 14 de julho, data na qual a velha prisão da Bastilha, símbolo do poder real e um depósito de armas, foi tomada em Paris. Mas é claro que tudo não se resume a um único dia. Na verdade a data é simbólica, já que a população francesa se mantinha inquieta e se revoltara contra o clero e a nobreza meses antes, até mesmo anos antes.

Tudo começa ainda no século XVII, quando os ingleses fizeram sua própria revolução e exterminaram o seu rei. Entretanto, naquele país, as coisas se reorganizaram e um novo rei foi colocado no trono, sendo controlado pelo parlamento. Era o fim do absolutismo monárquico na Inglaterra, e o começo dos problemas na França, já que os ideais do iluminismo se difundiam cada vez mais pelo continente europeu. No próximo século, as colônias inglesas na América se revoltariam contra a metrópole e com ajuda do Rei Francês conquistariam sua independência.
A Tomada da Bastilha - Jean-Pierre Houël
A atitude francesa era no mínimo excêntrica, afinal o país mantinha sua população em petição de miséria, e a explorava absurdamente, indo contra qualquer ideia de liberdade. A sociedade francesa estava dividida no que se chamavam os “três estados”: a nobreza e o clero não trabalhavam e formavam o primeiro e o segundo, enquanto o populacho (comerciantes, burgueses e camponeses), que de fato trabalhava, formava o terceiro. Assim era a sociedade do “caridoso” rei: de um lado uma miscelânea de palácios, nobres, perucas e marionetes reunidas sob um único teto, o suntuoso palácio de Versailles, e do outro, a massa empobrecida e explorada para manter o luxo e o poder do reino.

Galeria dos Espelhos - Versailles
Tais condições não se manteriam indefinidamente. Os louvores ao rei em pouco tempo se transformariam em uma gritaria por pão e direitos, e o isolado monarca seria levado para Paris. Bastou uma frustrada tentativa de fuga para a Áustria, rapidamente interceptada, para selar o destino da família real: Rei e Rainha seriam guilhotinados em praça pública, o herdeiro trancado e esquecido, e o povo impediria qualquer um de falar suas últimas palavras.

Aquele povo que honrava e amava seu rei simplesmente lhe virou as costas, mas não sem antes ter sido abandonado pelo mesmo. Sim, abandonado. Para a sociedade europeia da época, rei e nação eram um único organismo, e a fuga do monarca mostrara que cabeça e corpo haviam se separado indefinidamente. Por isso nenhum peso de consciência impediu que as cabeças reais rolassem sob o julgo da guilhotina.

Os meses e anos seguintes à revolução foram difíceis e tumultuados, e o fim do absolutismo monárquico foi substituído pelo início da autocracia imperial. A França se tornaria um império forte à custa da conquista e destruição de diversos países europeus. Napoleão, levado ao poder graças às loucuras do pós-revolução, seria um Imperador itinerante e belicoso, acabando por ser esmagado sob o próprio peso.

Código Napoleônico - Primeira página
Apesar do “governo do povo” ter sido exterminado pouco tempo depois do fim da monarquia, os frutos da revolução não seriam esquecidos. Até mesmo o Império napoleônico legou direitos na sua constituição que perdurariam até os dias de hoje, todos baseados nos princípios da Revolução. E após mais um século de tumultos e revoltas, a França chegaria ao século XX como um poderoso estado democrático.

Analisando a história do mundo nos últimos dois séculos, é impossível não traçar um paralelo com a Revolução Francesa. Governos que pareciam eternos foram derrubados pelo povo; verdades absolutas foram desmanteladas e novas perguntas surgiram. No início do século XX o Império Russo foi implodido por uma revolução.

Hoje, no início do século XXI, diversos países árabes revoltam-se contra seus governantes absolutistas. A ligação entre essas manifestações e aquela do fim do século XVIII é mais que notória, é inspiradora. Os ideais da Revolução Francesa, que em 2012 completa 223 anos, nunca estiveram tão presentes!

Grande abraço!

-- Thiago Amorim

Para saber mais:

A Era das Revoluções” – Hobsbawm

quinta-feira, 21 de junho de 2012

A Muralha da China


O grande desenvolvimento da China dos dias atuais chama atenção em várias partes do mundo. Gigantescas metrópoles surgem em ritmo assustador por todo o país, e uma série desenfreada de construções entre estradas, pontes e aeroportos, parecem brotar do chão como num passe de mágica. Mas mesmo com tantas novidades há algo que ainda é a “cara” da China, que é sinônimo do poderoso país asiático. Trata-se da milenar muralha da China: uma obra tão complexa e colossal, que deixaria qualquer Faraó egípcio com inveja. 

A estrutura estende-se por milhares e milhares de quilômetros, serpenteando entre montes e vales estreitos; desafiando gigantescos precipícios. Em alguns pontos está assentada em terreno tão irregular e inacessível que é difícil para os visitantes acreditarem no que estão vendo. Essa complexa estrutura defensiva foi colocada ali há mais de dois mil anos, com a função de barrar as tribos bárbaras do norte da Ásia, em especial os mongóis, que ameaçavam os domínios do Imperador Chinês (e também para garantir a dominação por trás dos muros, é claro).

A dimensão exata da famosa muralha é até hoje desconhecida, mas é consenso entre os cientistas que deva se aproximar dos oito ou nove mil quilômetros de extensão. Ela atravessa uma área do atual “Centro-Norte” da China, estendendo-se de leste a oeste em sessões nem sempre contínuas. Os materiais construtivos divergem em muitas partes: enquanto em alguns lugares há uso em larga escala da pedra, em outros pontos apenas terra batida e madeira compõem os muros. A terra, apesar de parecer um frágil material, na verdade é muito resistente a ação do tempo devido à maneira que foi trabalhada.

Mas o exato momento em que as pedras, os tijolos e a areia foram assentados, ainda é motivo de discussão entre os estudiosos. Para alguns cientistas, as mais antigas dinastias chinesas estão por trás da construção, antes mesmo da unificação do país: as dinastias subsequentes teriam atuado apenas como ampliadoras e restauradoras da estrutura original. A estrutura, portanto, deve ter aproximadamente dois mil e quinhentos anos em alguns pontos, e apenas alguns séculos de idade em outros. Segundo a tradição, a muralha teria sido erigida sob as ordens do General Meng, que havia sido incumbido da tarefa pelo temível Imperador Qin Shi Huang-Di, fundador da dinastia Qin (lê-se Chin, e assim temos a origem do nome “China”), e considerado o Primeiro Imperador Chinês.

A muralha foi apenas uma das obras faraônicas do Imperador. Até que Qin tivesse unificado o Império, no século III A.C., a China era dividida em vários reinos que digladiavam entre si pelo poder supremo. O primeiro imperador não só os conquistou como ordenou que os nobres dos reinos fossem levados a morar perto de si, na Capital do império, em uma cidade construída especialmente para isso. 120 mil famílias nobres passaram a morar “juntas” do “dia para a noite”, e é claro, um enorme volume de palácios foi construído para tornar-se o lar dessas pessoas. Um relato das dimensões do seu palácio comprova isso, já que após a morte de Qin, e a queda de sua dinastia, diz-se que o palácio real permaneceu em chamas durante cinco dias ininterruptos! Uma verdadeira fogueira apocalíptica!

Se nos assustamos com o volume colossal das obras agitadas dos dias atuais na China, deveríamos imaginar o que os pobres camponeses explorados pelo Imperador devem ter pensado do volume gigantesco de trabalho e material empreendidos nos seus ambiciosos projetos.

Curiosamente, e lamentavelmente, uma última obra empreendida por Qin antes de sua morte foi a grande queima de livros, que destruiu milênios de história chinesa de uma só vez. Ele também perseguiu, matou e exilou diversos estudiosos e pensadores, algo um tanto parecido com atos do governo chinês atual. Talvez a China não tenha mudado tanto. A Muralha da China ainda é mesmo a “cara da China”.

-- Thiago Amorim


Para saber mais:


O Primeiro Imperador da China - Frances Wood

terça-feira, 15 de maio de 2012

Pietà


Adoro o Michelangelo e por isso faço pesquisas sobre sua vida e suas obras sempre que possível. Devido à sua personalidade egocêntrica e paranoica ele fez muitos inimigos em vida, mas também deixou uma legião de fãs incontestáveis por toda a história. Entre as mais famosas das suas empreitadas certamente estão a capela sistina e a construção da Basílica de São Pedro em Roma (na qual obteve ajuda de diversos outros artistas). Para mim, entretanto, a Pietà é incontestavelmente o maior tesouro artístico legado por esse gênio renascentista à humanidade.

Abaixo, segue um breve relato sobre a obra. Divirtam-se!

Michelangelo era um jovem escultor de apenas 23 anos quando realizou essa incrível obra de arte. Com cerca de 1,70m de altura por 1,90m de largura, a Pietà é uma das mais famosas estátuas em mármore carrara do mundo, e provavelmente a mais valiosa entre todas elas.

Foi encomendada em 1498, pelo cardeal francês Jean de Billheres, para a capela dos reis da França, na antiga Basílica de São Pedro, em Roma. Quando ficou pronta chamou a atenção de todos que a viam, e tornou-se rapidamente uma das obras mais aclamadas e copiadas no mundo.

Finalizada em 1499, mostra uma jovem virgem Maria segurando o Cristo morto em seus braços. As dimensões entre ambos são intencionalmente distorcidas, de forma que a sensação de sofrimento e perda da virgem, junto à fraqueza do Deus recentemente morto, seja enaltecida diante dos olhos dos observadores. O artista também a deixou mais jovem, pois dizia que “aqueles que têm fé jamais envelhecem”.

A estátua é uma das mais bem executadas em toda a história. Tamanhos foram a acurácia e talento empreendidos no trabalho, que as unhas e, até mesmo, as artérias das figuras são percebidas pelos observadores.

A Pietà já foi reposicionada na Basílica diversas vezes, devido à reconstrução de São Pedro no século XVI. Hoje está disposta na primeira capela do lado direito da igreja, protegida por um enorme painel à prova de balas. Tal radicalismo na proteção da estátua, explica-se pelo incidente ocorrido na década de 1970, quando um louco avançou sobre o objeto e o golpeou com um martelo, danificando-lhe o rosto, o braço, os dedos e a cabeça. Apesar de esse ser o mais famoso e fatídico acidente envolvendo-a, não foi o único, tendo sido a estátua danificada e restaurada em anos anteriores.

Ela é a única obra de arte assinada por Michelangelo, e considerada um dos seus melhores trabalhos. A beleza e qualidade da peça evidenciam a técnica e majestade das inúmeras realizações artísticas do famoso escultor, arquiteto, poeta e pintor renascentista.

Grande abraço!

-- Thiago Amorim

Curiosidades:

- A estátua é feita completamente em mármore carrara, mas foi tão bem polida e trabalhada que sua aparência assemelha-se ao marfim;

- Várias partes da estátua foram perdidas com os danos sofridos no ataque de 1972. Seu nariz nunca foi recuperado, e os restauradores tiveram de dar-lhe um novo, utilizando o mesmo mármore do qual ela foi feita;

- A restauração da década de 1970 foi realizada pelo brasileiro Deoclécio Redig de Campos, um paraense que era chefe de laboratório de restauração, e diretor dos Museus Vaticanos;

- Laszlo Toth nunca foi responsabilizado criminalmente pelo ataque à estátua, mas ficou alguns anos preso em uma clínica psiquiátrica. Ele hoje vive na Austrália;
- As assinaturas em obras de arte não eram comuns no Renascimento, e Michelangelo só assinou o trabalho por medo de não ser reconhecido em anos posteriores;
- A Pietà é única obra assinada pelo neurótico artista;
Para saber mais:
- Michelangelo e o Teto do Papa  - Ross King
- Michelangelo - Nadine Sautel