Papa Júlio II - Sua decisão de pôr abaixo a antiga Basílica e erguer uma nova e fabulosa construção, acarretou profundas mudanças no cristianismo ocidental |
Num dia de abril do ano
de 1506, sob o ar pesado de Roma, um homem observava à colocação da pedra
fundamental daquela que seria a maior Igreja do mundo. O homem era o Papa Júlio
II, a igreja, a Basílica de São Pedro. O desenvolvimento e a construção desse
gigantesco empreendimento envolveria os maiores artistas da Renascença, desde
Bramante, passando por Rafael e culminando com Michelangelo, e avançaria ainda
mais longe, atingindo o período mais proeminente do Barroco. O Papa jamais
veria o prédio concluído, e nunca imaginaria o catalisador no qual ele se
transformaria para um dos períodos de maior crise já enfrentados pela Igreja
Católica Romana.
Quando da morte do
Papa, a igreja tinha uma evolução pequena nas obras, mas gastos exorbitantes,
cujos números não paravam de subir. Para garantir o prosseguimento da
construção, Júlio II havia ordenado a venda de indulgências que garantiriam a
salvação da alma daqueles que contribuíssem financeiramente para a obra. Essa
ideia foi seguida pelo Papa seguinte, Leão X, um famoso perdulário dos recursos
da Santa sé, cujo pontificado desastroso culminou com as famosas teses de Wittenberg
escritas por Lutero.
Lutero - Suas ideias destruíram para sempre a unidade do cristianismo no Ocidente |
Escandalizados com os
absurdos cometidos em Roma, católicos em toda a Europa ficavam cada vez mais
impacientes com o que estava acontecendo. Lutero, um monge alemão, tornou-se um
símbolo da oposição à forma como a Igreja era conduzida, tendo obtido apoio de
diversos príncipes, padres e reis europeus. Era questão de tempo até que uma
mudança apocalíptica acontecesse. O resultado mais concreto dessa revolta
generalizada contra Roma foi o saque de 1527, no pontificado de Clemente VII.
Segundo relatos de cronistas da época, nem mesmo os bárbaros infligiram tantos
males à santa cidade. Era consenso entre muitos que, após tantos problemas e imensa
revolta popular, a Igreja estava fadada à destruição.
A saída encontrada
pelos Papas posteriores aos Médici para enfrentar a crise ficou conhecida como
a Contra-Reforma. A Igreja tentaria readquirir sua grandeza por meio de
diversas ações e da instituição de um exército de padres devotos à sua causa, a
Companhia de Jesus. A inquisição também foi reinstituída.
Mas as coisas não
correriam tão bem como se imaginava. As ações de mudança na forma de conduzir a
Igreja tiveram seus efeitos, mas não acabaram com o cisma. A partir de então, o
Cristianismo ocidental se ramificaria em diversas religiões e seitas independentes
entre si, longe do julgo de Roma: Calvinistas, Anglicanos, Luteranos. E essas
são apenas algumas das novas doutrinas!
Esse novo período da
história humana, que marca uma transição na forma de ver e enxergar o mundo
levou o Renascimento a um momento de enrijecimento e, por fim, de
transformação, que para muitos ficou conhecido como maneirismo. Era uma época
de mudanças surpreendentes. A colonização do Novo Mundo, a ascensão dos grandes
impérios coloniais e a destruição das culturas indígenas na América, são apenas
algumas delas.
Outro ponto, tão
importante quanto os destacados, foi a perda da certeza sobre o modo de ver o mundo.
Um novo continente havia sido descoberto, com sociedades, ideais e religiões
próprias. O mundo era redondo, e o sol não girava em torno dele! O homem
começava a duvidar de si mesmo, da sua capacidade de compreender o universo. Esse
momento de dúvida, desespero e agonia é representado pelas novas formas
artísticas que surgem.
A última ceia - Tintoretto |
Na pintura, as obras
começarão a ficar cada vez menos centralizadas num personagem específico, e
tomar ares confusos e desconexos. As diversas representações da Santa Ceia no
período mostram Jesus Cristo perdido na multidão de personagens ali apresentados,
atuando como “mais um entre outros”, como “um de nós”. Na obra “A ceia” de
Tintoretto, podemos ver com perfeição esses elementos, já que o ambiente em que
a refeição é realizada está repleto de personagens vagando pelo local, comendo
e conversando, e com o profeta num plano menos destacado, mais próximo dos
mortais que estão ali presentes.
A crucificação - Tintoretto |
Até mesmo passagens
bíblicas mais impactantes, como a crucificação, tomarão formas menos contemplativas.
Veremos diversos personagens que parecem apenas passar pelo local, exércitos
que se dirigem a um local qualquer, cenas que parecem continuar, mas que não
são representadas completamente na obra produzida. A confusão de sentimentos,
da fé e a perda de confiança no conhecimento humano não poderiam ser mais bem
representadas.
No campo da escultura
teremos mudanças significativas. As obras que, até então, mostravam imagens menos
tensas, começarão a deslocar o ponto de representação para o clímax dos temas.
Cabeças cortadas, sangue esvaindo, corpos dilacerados, deformados ou
completamente dobrados. As personagens criadas beberão da “fonte de
Michelangelo”, mas seguirão adiante com posições, formas e enquadramentos mais
complexos, mais chocantes.
Villa Rotonda - Palladio |
A arquitetura terá uma
mudança também, principalmente no que tange à localização dos edifícios. A
Europa do fim do Medievo e início do Renascimento legou às cidades suas maiores
obras arquitetônicas. A Europa maneirista fará uma nova visita ao campo, com
construções de casas, mansões e vilas de caça, de descanso e de passeio. A
Villa Rotonda, em Vicenza, é um dos maiores exemplos dessa nova arquitetura,
que utilizando o classicismo ao extremo, acaba por criar obras artísticas até
mesmo onde antes seria impensado construí-las. Utilizando-se dos ideais
vitruvianos e renascentistas, Palladio cria um modelo arquitetônico que será
seguido por séculos. O homem burguês, ligado às áreas urbanas, começará a se
deslocar ao campo novamente, mesmo que na maioria dos casos apenas para seu
próprio divertimento. E o resultado de tantas transformações em todos os campos
da cultura européia, culminará num novo estilo, o Barroco.
Grande abraço!
-- Thiago Amorim