Traz um trecho bem legal da nossa infância, lá no colégio Sagrada Família.
Resolvi expô-lo aqui na íntegra.
Vale a pena conferir!!!
Era uma terça-feira do mês de maio, quando acordei suado e ofegante, olhei para o relógio que estava pendurado na parede do meu quarto e vi que eram 07h16min, faltavam apenas 14 minutos para começar a aula e eu ainda estava deitado com a cara toda inchada e morrendo de sono. Levantei-me correndo, tomei meu banho, vesti minha farda branca com shorts azuis, calcei meu tênis e sem tomar o café da manhã preparado com tanto amor por Dona Maria, minha avó, corri para escola como quem foge da polícia.
Quando cheguei, a porta já estava fechada...
O Instituto Sagrada Família era conhecido por ser muito rigoroso com seus alunos e a disciplina. Todos os dias a porta do Instituto fechava às 07:30h e ai de quem chegasse atrasado; não entrava. Era no ano de 1994, o Sagrada não estava mais sob a direção das freiras alemãs, estava agora sob o julgo do famoso e temido, por grande parte dos alunos, padre Delorizano. O padre dirigia a escola com mãos de ferro, todos nós tínhamos medo de levar um “gato” dele.
Chamei alto por quem estava na secretaria nesse dia, até que eu não estava muito atrasado. Depois de alguns gritos desesperadores lá vinha Tia Madalena com as chaves na mão.
- Isso são horas? Perguntou ela abrindo a porta.
- Dormi demais hoje, tia.
- Pois então corra que já começou a aula.
- Obrigado.
Mulher alta e de cabelos pretos, Tia Madalena era um amor de pessoa e todos gostavam dela.
Chegando na sala vi que Tia Enilva já estava escrevendo no quadro negro as lições de matemáticas que tanto temia, aquele giz descendo, subindo e circulando dando forma aos números soava como tortura e noites de aperreio para aprender a tabuada.
- Licença Tia Enilva.
- Entre Marques. Disse a Tia. – Isso são horas de chegar? Sente logo e copie o que está no quadro.
Entrei na sala e fui logo sentando na minha banca com meu colega Thiago. Naquele tempo as bancas ainda eram duplas e todos tinham seus pares na sala. Thiago era uma criança magra e muito branca, parecia que não via o sol desde o seu nascimento, tinha uma inteligência que fazia inveja até pros mais adiantados da escola e adorava fazer desenhos de prédios e palácios nos seus cadernos e no quadro negro.
O que eu mais gostava na escola era a hora do recreio! Não tinha hora melhor. Quando tocava a campainha, o pátio vazio e calmo se transformava num mar turbulento e revolto cheio de meninos e meninas, que riam, corriam, caiam, pulavam, chorava, subiam em árvores ou simplesmente sentavam nos banquinhos e comiam suas merendas.
Nós, da segunda série, gostávamos de brincar de várias coisas, não existia brincadeira pré-definida. Nós inventávamos na hora, tinha do tradicional pega-pega e esconde-esconde ou fascinante “tubarão” e “homem pega mulé e mulé pega os homens”, eu claro, gostava mais desta, rezava pra que a minha paquera viesse correndo me pegar. Ganhar um aperto no braço ou abraço forçado da paquera não tinha preço nenhum no mundo que pagasse.
Mas aquela terça-feira era especial, tinha algo a mais que iria nos assombrar pelo resto de nossas infâncias, ou até quando durasse a nossa imaginação fértil e inocente. Existia uma lenda no Sagrada, uma lenda que passou de geração a geração, uma lenda que depois de velho e entendido de mundo viria a saber que ela era internacional e não exclusividade nossa. Era a lenda Mulher de Branco.
A Mulher de Branco povoava o banheiro feminino e todos tinham medo dessa bendita alma penada. Sempre ouvíamos histórias dos alunos mais velhos que contavam que lá no banheiro existia um espírito de uma menina que tinha estudado no Instituto há muito tempo e que tinha morrido naquele banheiro, desde então não parava de assombrar a todos que entrassem lá.
Meninos e meninas, todos fitavam atentos a porta do banheiro feminino, olhávamos bem, todos agrupados, como num grande abraço coletivo, íamos nos aproximando cada vez mais perto do banheiro, os passos eram contados e medidos simetricamente, quanto mais nos aproximávamos mais temerosos ficávamos, mais unhas sumiam, mais apertos nos braços ganhávamos e quando chegávamos bem na porta... Alguém do grupo gritava com muita força e todos corriam como se algo do “além-vida” tivesse aparecido e dado um grande susto. Ninguém ficava perto, uns corriam para o pátio, outros atordoados, coitados, corriam em direção nenhuma e ficavam rodando sem rumo e sem destino.
Era uma verdadeira aventura, a adrenalina estava a mil, o coração parecia que iria saltar fora, quando saíamos de perto do banheiro nos encontrávamos no pátio e todos estavam com ar de cansado e ofegantes, o medo estava presente na gente, mas o que predominava eram as risadas soluçadas e as caras de satisfação e divertimento de crianças inocentes e ingênuas que faziam daquela lenda um motivo para brincar.
JOSÉ MARQUES DE VASCONCELOS FILHO
MACEIÓ, 06 DE SETEMBRO DE 2010
P.s. Obrigado Marques.
Saudades desses tempos...
-- Thiago Amorim