quinta-feira, 28 de novembro de 2013

A Ponte Golden Gate

Ícone de San Francisco, a Golden Gate é uma das mais antigas e mais belas pontes da era moderna. Sua construção se iniciou no início da década de 1930, e foi completada em 1937. Era então a maior ponte do mundo, e imediatamente se transformou num dos cartões postais mais fotografados dos EUA.

O estreito de nome homônimo é a porta de entrada para a Baía de San Francisco, e está localizado sobre a instável falha de San Andreas. Os planos para a construção de uma passagem sobre o local datavam do início do século XX, logo após o grande terremoto de 1906, mas a tecnologia e o financiamento gigantesco só surgiram após os planos do Presidente Roosevelt para vencer a Depressão dos anos 1930. A ponte deveria ligar as regiões vizinhas da cidade e garantir o desenvolvimento econômico da região.
O projeto foi entregue a um alemão sem experiência em projeto de pontes, Joseph Strauss, mas que o concebeu magistralmente, edificando-o em tempo recorde para a época: quatro anos (o projeto de engenharia e arquitetura, entretanto, demorou vários anos até ser finalmente concluído). Suas preocupações com a segurança dos funcionários da construção ficaram famosas e garantiram um número muito pequeno de mortes durante o processo, se comparado com empreitadas parecidas na época.

Apesar de inicialmente ter sido pensada por Strauss como uma ponte em modelo cantilever, com duas seções encostadas em cada lado do estreito e ligadas por um elemento suspenso ao centro, o design final acabou sendo a ponte pênsil. Essa escolha garantiu o apoio do exército (que a princípio se mostrou bastante contrário à construção devido à possibilidade de bloqueio do estreito), mesmo que ainda houvessem surgido discordâncias a respeito da cor empregada na ponte.

Elementos em estilo Art Déco
compõem a estrutura da ponte
A ponte custou aos cofres públicos cerca de trinta e cinco milhões de dólares. A cor laranja foi escolhida de forma a garantir a visão da ponte mesmo durante os períodos em que a intensa neblina, comum no estreito, envolvesse a gigantesca estrutura de aço. Seu formato a tornou um cartão postal instantâneo, com elementos em estilo Art Déco, e inspirou a construção de diversas outras pontes no mundo.

Foi até 1964 a maior ponte pênsil do mundo, e durante muitos anos a mais alta estrutura do oeste dos EUA. Suas dimensões ainda impressionam nos dias de hoje. Ela tem um comprimento de quase três quilômetros, sendo 1.280 metros apenas para o tabuleiro central. Sua altura é de 227 metros e tem capacidade de receber tráfego de 100 mil veículos por dia. Uma das coisas mais impressionantes ligada à ponte é o fato dela ter sido construída exatamente sobre a falha geológica de San Andreas, e resistido durante todos esses anos aos constantes movimentos de terra causados pelos terremotos, muito comuns na Califórnia.

A ponte tem sido constantemente restaurada, com substituição de peças e cabos antigos. A pintura também é mantida impecável, de forma a garantir a segurança da estrutura. Foi eleita uma das sete maravilhas da engenharia mundial, e um recente projeto de restauração está em curso, de forma a permitir que a ponte permaneça em serviço durante vários anos ainda
Nevoeiro encobre a Golden Gate
A fama da Golden Gate faz com que ela apareça constantemente em obras cinematográficas e peças publicitárias. É uma das estruturas mais destruídas nos filmes-catástrofe Hollywoodianos. Na vida real, também tem um uso trágico, já que foram registrados mais de 1.200 suicídios no local desde a sua inauguração.


 -- Thiago Amorim

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Metrópolis e as correntes urbanísticas dos séculos XIX e XX

Em um mundo futuro (ou na visão do que seria o futuro no distante ano de 1927) uma sociedade é marcada pela abundância para alguns e a miséria extrema para outros. Enquanto os operários vivem marginalizados, excluídos e explorados em um submundo de sofrimento e abandono social, uma minoria abastada desfruta das delícias de um mundo de conto de fadas: Metrópolis, a grande cidade do futuro, a nova torre de babel, controlada pelo megalomaníaco industrial, Joh Fredersen, que traz em seu âmago as agruras da industrialização nas sociedades modernas. Parece ser o destino de toda a criação humana, de toda a condição de exploração existente e ainda por existir. Tornada rica, incrivelmente poderosa, e assentada sobre a miséria de milhões de operários, a cidade reluz como o farol do desenvolvimento, do crescimento econômico, da riqueza sem fim.

Apesar de a história se passar num futuro distante (que hoje é bem próximo de nós, já que no filme o ano é 2026) a sociedade mostrada em Metrópolis não está tão longe assim, nem é tão inalcançável. É na verdade uma caricatura do mundo de meados do século XIX e início do XX. É a Nova York, a Londres, a Paris, a Viena, a Berlim: As cidades-sede do capitalismo financeiro mundial, e também da miséria mundial naquela época. E assim, como essas famosas e gigantescas urbes modernas, a cidade se divide em dois mundos, dois espaços de convivência, de trabalho e de poder distintos.

Sobre a superfície, em edifícios reluzentes e gigantescos, rodeados pelo jardim dos filhos, está a elite abastada ao lado de seus funcionários mais próximos. Essa classe, a dos grandes industriais e financistas capitalistas, dispõe de uma excelente infra-estrutura urbana, com maravilhas arquitetônicas e marcos urbanísticos. A metrópole da superfície nos lembra os planos traçados para as grandes capitais do mundo, com teatros, estádios, largas avenidas e gigantescos complexos esportivos. É também a cidade dos automóveis, os quais são utilizados em larga escala para movimentação dentro da cidade.

A Metrópolis dos ricos aproxima-se assim dos frutos das “maravilhas” da corrente City Beautiful, que se espalhou pelo mundo do início do século XX até os anos 1940. As reformas urbanas promovidas por esse movimento, no geral, trouxeram melhorias para os centros urbanos, mas esqueceram dos oprimidos pelo sistema, os colocando às margens das cidades. Os planos de Speer para a Berlim de Hitler se assemelham tanto a Metrópolis, que é como se o arquiteto tivesse se inspirado livremente nela.

Metrópolis ainda bebe da corrente progressista, de uma forma que deixaria Le Corbusier fascinado. Grandes torres se projetam no centro da cidade; vias e avenidas destinadas a um grande fluxo de veículos são encontradas como navalhas a cortar toda a zona urbana. Na cidade ainda pode-se ver poucos marcos do passado, como se a antiga cidade ali existente houvesse sido arrasada, e substituída pelos espigões de concreto, aço e vidro.

Plan Voisin - Corbusier
O “Plan Voisin” de Corbusier propunha uma situação parecida para a Paris de sua época, com a demolição do passado arquitetônico da cidade, e a substituição do seu tecido urbano por largas avenidas e arranha-céus modernos. Nesse plano, poucos dos marcos arquitetônicos do passado de Paris sobreviveriam como a Catedral de Notre Dame e o Arco do Triunfo. Em Metrópolis, o único vestígio do passado é a gigantesca Catedral da cidade e uma casa esquecida, onde mora o cientista criador do robô que substituirá Maria e trará o caos para as ruas da cidade.

O zoneamento, característica forte do modelo urbanista progressista, como nos projetos e ideias de Garnier, por exemplo, é também parte integrante da cidade, que é dividida em zonas específicas: de diversão, de esportes, industrial, moradia e serviços. Dentre essas zonas há uma que está completamente dissociada da ideia do que seria conforto urbano. Metrópolis tem uma zona subterrânea, lugar destinado à moradia da mão-de-obra barata que sustenta o sistema sobre o qual a cidade está assentada. Ela soa como uma metáfora para o submundo de privações enfrentado pela classe trabalhadora.

Para o movimento pré-urbanista sem modelo, esse local é o ponto em que se encontram a miséria e a degradação humana, o local da noite apavorante. Os indivíduos que ali residem experimentam todo o tipo de horrores, inclusive a negação de si mesmos. A situação de vida dos operários é absurda. A ditadura das máquinas, da jornada de trabalho, só não é pior que a poluição a qual estão sujeitos. As enormes engrenagens do gigantesco maquinário parecem um antigo Deus furioso, a receber sacrifícios humanos para a própria glória. 

Ali não existem pessoas, mas sim uma massa compacta e repetitiva, em traje eterno de trabalho. As terríveis condições de vida e trabalho a que essas pessoas estão sujeitas, são mostradas durante o decorrer do filme, e ainda mais específicas na fala de um personagem: “Pai, essas dez horas nunca acabam?”. Os acidentes são comuns, mas tratados com displicência pelos diretores e pelo próprio Joh Fredersen. A massa de trabalhadores está sujeita a ser substituída imediatamente para o caso de haver problemas, o que a torna completamente dependente e submissa aos desmandos do grande industrial.

Os sete pecados capitais
Em um ambiente tão degradante, é de se esperar que uma revolução acontecesse. Mas a semente de revolta que Marx gostaria de presenciar, surge de forma tímida e pouco convincente em Metrópolis. Os trabalhadores não têm consciência de classe, e são controlados pelas ideias de uma “profetiza” de nome Maria. A moça diz que o mundo é injusto porque “mãos e a cabeça não se entendem”, e fala sobre a vinda de um mediador que mudará tudo: “o coração”.

A exploração é retratada no filme de forma realista, evocando o sofrimento e a quase escravidão vivida por todos. Metrópolis é comparada a Torre de Babel e ao seu infeliz destino, mas não parece evocar uma revolução como a feita, no decorrer do próprio filme, pelos escravos que construíram a malfadada torre. Os trabalhadores, portanto, são vistos como incapazes de lutar por novas condições de trabalho. Eles deveriam esperar pela redenção vinda de um “mediador” que mudaria tudo e poria melhores termos entre patrões e empregados. O mediador surge na pele do próprio filho de Joh Fredersen, que se apaixona por Maria e experimenta as privações dos trabalhadores na indústria.

O filme ainda explora os perigos da ciência. O cientista maluco, sedento por vingança, que quer punir Frederser por lhe ter roubado o amor da sua vida: Hel. A criação de um robô, aquele que poderia substituir os trabalhadores, é utilizada de forma nefasta por Fredersen e pelo cientista, na tentativa de confundir e ludibriar os trabalhadores. Maria é substituída e o caos se afigura diante de todos.

Mais uma vez o filme se mostra “morno” diante da revolução. As primeiras greves e revoltas de trabalhadores se caracterizaram pelo ataque às máquinas e fábricas, pois todos acreditavam que ambas fossem a causa do desemprego e das cruéis condições sociais as quais estavam submetidos. Em Metrópolis a história se repete, mas só até certo ponto: os trabalhadores são incitados a fazer isso pela “Maria robô”, e não se revoltam contra o patrão. Eles o temem; não estão dispostos a brigar diretamente com ele. O ataque às máquinas soa como uma tentativa desesperada de demonstrar força, mas tudo isso se esvai ao se depararem com o industrial.

Assim, a semente da revolta morre com o confronto cara a cara entre os trabalhadores e o empregador. O mediador, o filho de Joh Fredersen, consegue fazer os lados dialogarem, se aproximando das ideias socialistas utópicas de Fourier, e que jamais funcionariam no sistema Capitalista, visto que o mesmo precisa explorar a mais-valia dos trabalhadores para continuar existindo.

Há ainda uma mensagem mais obscura sobre a revolta: os próprios trabalhadores levam o perigo para as suas casas devido à revolução, com a inundação e destruição de suas moradias, num claro sinal de que a revolução traria mais perigo que o que todos já experimentavam.


No fim das contas, o filme transforma o próprio industrial em um refém da ciência, e passa uma mensagem vazia de revolução. Não há lideranças entre os trabalhadores, e sim peões num tabuleiro de xadrez; o rei continua manipulando a todos!

-- Thiago Amorim

terça-feira, 6 de agosto de 2013

O Movimento Moderno

Palácio da Alvorada - Brasília
O movimento moderno foi um daqueles eventos que mudam completamente o rumo da humanidade. De repente, em diferentes lugares do mundo e quase ao mesmo tempo, a pintura, a escultura, a arquitetura, a música, o teatro, o design, a literatura, sofreram uma mudança de paradigma sem precedentes. O modelo tradicional de cultura sofreu um choque tremendo, recebendo grande rejeição, e, finalmente a arte começou a ceder espaço para o abstracionismo.

Apesar de parecer surpreendente que tudo isso tenha acontecido tão “de repente”, a situação na Europa e no resto do mundo à época era mais que propícia para essa sucessão de acontecimentos. A Revolução Industrial havia trazido um progresso técnico como jamais havia sido visto, e a ascensão da burguesia, e consequentemente do capitalismo, trouxeram recursos que podiam financiar os novos artistas e intelectuais daquela época, inaugurando uma nova forma de mecenato. Aliado a tudo isso, a fotografia, o vapor, o telégrafo e as ferrovias tornaram-se um grande divisor de águas. 

Durante séculos, as ideias dos homens eram difundidas entre pessoas que se conheciam, ou que conviviam na mesma região. Isso evitava um campo maior de ação para ideias vanguardistas, e inibia a produção artística e cultural a pólos de atração específicos. Os novos meios de difusão de notícias, e de comunicação, permitiram um maior contato entre pessoas de diversos lugares do mundo; o vapor e as ferrovias propiciaram as viagens necessárias para a troca de ideias e a propulsão da internacionalização das vanguardas artísticas.

A fotografia foi um dos passos mais importantes para a mudança da arte. Com o realismo das fotos, a arte sofreu uma grave crise de identidade, e entrou num momento conturbado. A saída encontrada pelos artistas para superar essa crise existencial estava num modo mais dinâmico de produzir arte, de forma que em poucos anos diversas correntes artísticas surgiram, como o impressionismo, o expressionismo, o futurismo, o construtivismo, o De stijl, entre outros, uma sobrepondo-se a outra, e se completando no caminho de construção para uma arte com a cara da modernidade.

É claro que uma mudança como essa no mundo da arte influenciaria completamente todos os campos da cultura humana. Assim, a literatura, o cinema (que surgia na época), a arquitetura, a música, a escultura e todos os campos do saber sofreram grandes alterações. Diversos expoentes advindos dessa nova forma de produzir elementos culturais tornaram-se ícones da sociedade moderna: Picasso e o cubismo, Monet e o impressionismo, Salvador Dalí e o surrealismo, Rodin e o seu famoso “Pensador”, Le Corbusier e os cinco pontos essenciais para uma boa arquitetura, Frank Lloyd Wright e sua casa da cascata, a Bauhaus de Gropius, o arranha-céu de Mies Van Der Rohe, entre outros. Personagens complexos e fantásticos, que trouxeram ao mundo uma revolução artística e cultural tão grande quanto o foi o Renascimento do século XV.

A partir desse ponto, a arquitetura assume uma nova particularidade e abandona os adornos do ecletismo em voga. Ela passa a se concentrar na funcionalidade e na forma, utilizando para isso plantas livres, fachadas limpas, cores neutras, e muito concreto e vidro! Le Corbusier sonha com uma cidade perfeita, impecável, onde grandes bulevares, arranha-céus enormes e gigantescas avenidas reinariam supremos diante do passado apagado. Seus planos se frustraram, e Paris foi salva. Mas o seu sonho se concretizaria pelas mãos de um presidente ousado, um arquiteto egocêntrico e um controverso urbanista humanista, na capital de um país dos trópicos: Brasília. Os diversos problemas que a gigantesca cidade criou nos últimos cinquenta anos provam que apesar de o projeto moderno ser utopicamente belo, a desigualdade social permeia as suas conquistas. 

-- Thiago Amorim

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Os Estados Pontifícios

Brasão Papal
Apesar de muitas pessoas nunca terem imaginado, o território que hoje é conhecido como Estado do Vaticano é na verdade um último resquício do que um dia foram os Estados Papais (ou Estados Pontifícios). Seu território era vasto e compreendia grande parte das terras da moderna Itália, existindo por cerca de mil anos.

As origens do poder e domínios papais remontam aos tempos de glória do Império Romano. Após a adoção do Cristianismo pelo Imperador Constantino, e a sua oficialização como religião do Império por Teodósio, a Igreja Católica alcançou um status jamais imaginado. Era a representante de Deus na Terra, sob a liderança do Vigário de Cristo, o Papa. Seu poder, que de início era partilhado com o Imperador, tornou-se único e irrestrito após a destruição de Roma pelos povos do Norte da Europa na segunda metade do século V.

Essa situação, entretanto, não era tão confortável. A ameaça dos povos que invadiam a Itália tornou a vida do Clero Romano muito difícil, e a fragilidade do governo de diversos Papas faziam-nos dependentes dos monarcas europeus. Roma nesse período caiu nas mãos de povos diversos, inclusive dos bizantinos no século VI. A ameaça tornou-se tão gritante que até os Sarracenos estabeleceriam um emirado na Península Itálica durante alguns anos.

Mas o poder Papal se tornaria forte exatamente pelas guerras e pela confusão gerada pelos sucessivos povos que iam e vinham pela Itália. No fim das contas, o Papa resolvia questões dinásticas e disputas políticas, agindo como um verdadeiro embaixador de assuntos estrangeiros para cada um dos reinos europeus. Sua bênção instituía ou destruía monarcas, e a fé na Igreja manteve certa coesão numa época em que a Europa mergulhava em caos e disputas mesquinhas. 

Divisão Política da Europa do século XVIII
Os Estados Pontifícios foram formados a partir de várias terras e regiões que iam de Roma até a fronteira com a República de Veneza, e surgiu oficialmente a partir do século VIII, sob a proteção (dominação) do Rei Franco Pepino, o Breve. O futuro Império Carolíngio teria uma relação direta com o Papado, de forma que o reino da França, originado do desmembramento Carolíngio, influenciaria na escolha do Papa até o século XIV, quando o cativeiro de Avignon acabou e o Papa voltou para Roma.

A história dos Estados Papais, portanto, é cheia de reviravoltas, e de mentirinhas também. O documento conhecido como “doação de Constantino” (desmascarado ainda durante a Idade Média) serviu durante algum tempo como legitimador da sua instituição. Seus domínios sofreram expansão e contração contínua, sendo a época do Renascimento o momento de maior esplendor. Sob a mão forte e imperiosa do Papa Júlio II, os Estados Pontifícios alcançaram o seu auge. Várias regiões foram anexadas, tornando-o forte e independente de auxílio estrangeiro. Júlio II também foi responsável pelo surgimento da Guarda Suíça, um corpo de elite preparado para defender o Papa sob qualquer circunstância, e que foi responsável pela salvação de Clemente VII durante o saque de Roma de 1527.

Então mesmo que isso pareça esquisito, o Papa era um soldado, um estadista, e um monarca absolutista de um vasto território europeu. Ele concedia títulos, cobrava impostos e tinha sua própria Corte, captando recursos e destinando-os a diversas empreitadas Roma afora. Eis, portanto, a origem da expressão “príncipes da Igreja”: os Bispos, Cardeais e Arcebispos são Príncipes desse Império Papal espalhados pelo mundo.

Mas apesar da força, do exército, dos recursos e do poder que o Papa tinha, a Idade Moderna lhe preparava uma surpresa. A Itália começou a ser reunida sob um único soberano, e pouco a pouco suas terras foram sendo engolidas pelo novo estado que surgia. Em meados do século XIX, os Estados Pontifícios se resumiam apenas a cidade de Roma, território este que seria tomado pelo Rei Vitório Emanuel em 1870, e o então reino Papal destruído. É claro que Pio IX, o Papa da época da conquista Italiana, não ficaria feliz com isso. Ele pediu ajuda ao mundo para reaver seus territórios, e não aceitou qualquer compensação pela destruição do seu reino.

Bandeira dos Estados Pontifícios
Somente no primeiro quartil do século XX, o papado aceitaria as compensações e faria um tratado com a Itália (Tratado de Latrão de 1929), em que a Igreja teria o Vaticano como um país independente, junto à autonomia de algumas regiões da cidade de Roma (propriedades da Igreja) e do território de Castel Gandolfo.

Hoje os Estados Pontifícios se resumem quase que exclusivamente ao Vaticano, e formam um país independente dentro da cidade de Roma. É o menor território independente do mundo, mas completamente dependente dos recursos vindos de fora de suas terras. Sua população de cerca de mil habitantes dispõe de moeda, banco e correio próprios. Os tesouros acumulados pela Igreja por dois milênios tornam-na incrivelmente rica, e sem dúvida é a única instituição em toda a história a sobreviver durante tanto tempo.

Os Papas da nossa época não têm a ínfima parte da força que seus predecessores renascentistas tiveram, mesmo que seu poder temporal ainda exista. É uma sociedade medieval que perdura no mundo moderno, e que por isso às vezes parece meio deslocada dentro dele. Mas mesmo que os críticos tentem deslegitimar o seu papel, o papado perdura como uma instituição indispensável para a fé do mundo católico contemporâneo. 

-- Thiago Amorim

Para saber mais:

"Declínio e Queda do Império Romano" - Edward Gibbon
"Basílica de São Pedro - Esplendor e Escândalo na Construção da Catedral do Vaticano" - R.A. Scotti
"Carlos Magno" - Jean Favier

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

O Barroco

Caravaggio - Pintura de Ottavio Leoni
Toda a tradição artística e cultural criada nos períodos Renascentista e Maneirista continuarão presentes no Barroco, embora essa nova corrente artística crie suas próprias formas de ver o mundo e apreciar a fé. Fruto da contra-reforma em Roma, mas também da ascensão do absolutismo em várias partes da Europa, o barroco se tornará um estilo arquitetônico próprio, que estará presente, a partir de então, em várias partes do mundo, inclusive a América, e até mesmo no longínquo Oriente.

Após a Reforma, a Igreja buscou diversas formas de se manter firme e poderosa novamente. Apesar de ter fracassado em diversas frentes, como na Inglaterra, por exemplo, os católicos triunfaram em vários lugares do norte da Europa, na França, na Itália e na Península Ibérica. Mas os tempos de Papas libidinosos e, até mesmo criminosos, haviam passado. A Igreja conseguiu reformar-se, diminuindo as despesas e as orgias papais.

O momento histórico, entretanto, exigia uma nova forma de mostrar a fé e glorificar a Deus, numa tentativa de transformar os devotos em verdadeiros súditos de Roma. E a melhor forma encontrada para a realização desse ideal pelos artistas barrocos é a teatralização e a espetacularização da própria fé.
A captura de Cristo - Caravaggio
A pintura da época experimentará, através das obras de Caravaggio, essa primeira fase de aprofundamento das sensações. O maneirismo já havia iniciado o processo de teatralização das cenas representadas, inclusive adicionando pessoas comuns aos temas realizados. O Barroco, entretanto, avançará sobre os limites maneiristas, aliando teatralização, realismo e sensualidade. Caravaggio pintará temas religiosos com profunda crueza e realismo, chocando a sociedade da sua época.

Mas o passo já estava dado. O Barroco triunfaria como modelo artístico predominante no século seguinte, trazendo para todos os setores da sociedade sua forma teatral e sensual. As obras artísticas não mais retratarão apenas os ricos e poderosos, mas também pessoas comuns, como plebeus, servos e ajudantes. O próprio Caravaggio utilizará em muitas das suas obras pessoas comuns como modelos para a Virgem Maria, os anjos, santos e o próprio Redentor da humanidade. As diversas obras realizadas em Roma no período são exemplos diversos dessa nova forma de enxergar o mundo.

Na arquitetura, modelos não faltam. A Basílica de São Pedro, a obra que causou a discórdia cristã, é um dos exemplos mais grandiosos da arquitetura barroca religiosa. Apesar de a obra ter avançado do Renascimento até o fim do período barroco, seu interior foi decorado quase que inteiramente sob esse estilo arquitetônico. As diversas estátuas, nichos, “apetrechos e penduricalhos” que enfeitam a basílica deixam qualquer visitante boquiaberto. E o que é mais impressionante, tudo soa perfeitamente harmonioso, mesmo que num caos de elementos decorativos.

Baldaquino de bronze - Basílica de São Pedro
O altar-mor, o baldaquino, a nave central com seus nichos e estátuas colossais, formam um conjunto tão bem acertado, tão profundamente místico e teatralizado, que parecem diminuir a proporção magnânima da basílica. Os “espectadores” que se prostram diante do enorme colosso de bronze têm uma visão enquadrada da Glória de Bernini no altar ao fundo. É como se o arquiteto tivesse colocado o imenso dossel de metal ali, apenas com a intenção de emoldurar o fundo fantástico da construção. O Baldaquino serve também como elemento de conexão entre o piso da basílica e a gigantesca cúpula cem metros acima, sem o qual o espaço ficaria completamente desconectado do resto do conjunto.

Imaginar proezas tão incríveis pode parecer difícil, mas os artistas barrocos conseguiram realizar obras perfeitamente realistas e emocionantes, utilizando para isso de ângulos diversos, formas elípticas e a conexão entre os objetos existentes nos ambientes. Cada estátua presente no local está relacionada à seguinte. Não existe elemento solto ou perdido, todos são conectados entre si. E essa é uma característica presente em todas as obras barrocas.

Praça e Basílica de São Pedro - Vaticano
A Praça diante da Basílica é outro exemplo extraordinário. Terminada a fachada, São Pedro pareceu extremamente pesada para quem a contemplava de fora. A solução encontrada para minimizar esse efeito foi transformar a praça num gigantesco elemento elíptico (o local antes era um imenso retângulo), que com a colunata grandiosa, encimada pelas 140 estátuas de santos e mártires, formam um abraço gigante sobre os devotos. Mas para os desavisados há também um elemento teatral nesse lugar. O escorço, tão conhecido pelos gregos e usado em grande escala pelos renascentistas, dá aqui o ar da graça novamente.

As colunas gigantes não estão centralizadas de acordo com o obelisco localizado no centro da praça. Isso foi feito para tentar disfarçar a diferença de dois graus entre o obelisco e a nave de São Pedro. No ponto em que os dois braços da colunata se encontram com as alas laterais que levam até a entrada da igreja, foi possível cortar o efeito horizontal da fachada. O resultado é um abraço gigantesco nos devotos que ali se encontram, e um enquadramento perfeito para a Basílica ao fundo. A Via della conciliazione[1], logo antes da Praça Pio XII e da Praça da Basílica, maximiza esse efeito.

Mas o Barroco não irá apenas aparecer nas obras religiosas. A França de Luís XIV servirá de terreno para a construção e consolidação do Barroco em outras partes da Europa, fora da esfera de influência italiana. E as realizações ali presentes evidenciarão mais uma vez as enormes transformações pelas quais a sociedade européia passava; o surgimento de um novo mundo centrado no absolutismo monárquico e nos mimos de um rei caprichoso e narcisista, que buscava através da pompa e da teatralidade consolidar seu poder sobre todos os plebeus, nobres e o próprio clero do seu país.
Galeria dos espelhos - Versailles
O palácio de Versailles é a representação em pedra do auge do absolutismo francês, e consequentemente do Barroco naquele país. Transferindo a corte de Paris para essa pequena vila, distante apenas alguns quilômetros da capital, Luís XIV construiu um mundo de sonhos e luxo jamais imaginados. Os súditos que o visitavam com certa frequência, ficavam chocados e extasiados com os objetos, construções, jardins e espetáculos que presenciavam. O Rei existia para governar, era a “cabeça” por trás do país. Nas palavras do próprio Luís XIV: “O estado sou eu”.

As formas arquitetônicas centralizadas, as enormes galerias recheadas de pinturas fantásticas, os diversos jardins, fontes, e até mesmo as roupas das pessoas que ali viviam formavam um espetáculo grandioso. O rei buscava, através do luxo, evidenciar sua importância e o seu poder. Todo esse esbanjamento era garantido pela exploração do povo da França, e no futuro traria sérios problemas para os nobres e para a coroa. As cabeças, literalmente, rolariam anos depois.

Mas o Barroco ainda atravessaria meio mundo antes de finalmente sucumbir. E suas características avançariam pela Holanda, pela Alemanha, pela América, e influenciariam até mesmo os maiores inimigos da fé cristã, os Turco-otomanos, no Oriente.

Grande abraço!

-- Thiago Amorim




[1]  Apesar da via ter sido projetada ainda no século XVII, só foi construída no século XX, a mando de Mussolini, como parte das compensações feitas à igreja pela perda de Roma e dos Estados Papais. Diversos arquitetos contemporâneos à obra não ficaram felizes pelo borgo existente no local ter sido removido para a construção da avenida.  

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Maneirismo

Papa Júlio II - Sua decisão de pôr abaixo a
antiga Basílica e erguer uma nova e fabulosa
construção, acarretou profundas mudanças
no cristianismo ocidental

Num dia de abril do ano de 1506, sob o ar pesado de Roma, um homem observava à colocação da pedra fundamental daquela que seria a maior Igreja do mundo. O homem era o Papa Júlio II, a igreja, a Basílica de São Pedro. O desenvolvimento e a construção desse gigantesco empreendimento envolveria os maiores artistas da Renascença, desde Bramante, passando por Rafael e culminando com Michelangelo, e avançaria ainda mais longe, atingindo o período mais proeminente do Barroco. O Papa jamais veria o prédio concluído, e nunca imaginaria o catalisador no qual ele se transformaria para um dos períodos de maior crise já enfrentados pela Igreja Católica Romana.

Quando da morte do Papa, a igreja tinha uma evolução pequena nas obras, mas gastos exorbitantes, cujos números não paravam de subir. Para garantir o prosseguimento da construção, Júlio II havia ordenado a venda de indulgências que garantiriam a salvação da alma daqueles que contribuíssem financeiramente para a obra. Essa ideia foi seguida pelo Papa seguinte, Leão X, um famoso perdulário dos recursos da Santa sé, cujo pontificado desastroso culminou com as famosas teses de Wittenberg escritas por Lutero.

Lutero - Suas ideias destruíram para
sempre a unidade do cristianismo
no Ocidente
Escandalizados com os absurdos cometidos em Roma, católicos em toda a Europa ficavam cada vez mais impacientes com o que estava acontecendo. Lutero, um monge alemão, tornou-se um símbolo da oposição à forma como a Igreja era conduzida, tendo obtido apoio de diversos príncipes, padres e reis europeus. Era questão de tempo até que uma mudança apocalíptica acontecesse. O resultado mais concreto dessa revolta generalizada contra Roma foi o saque de 1527, no pontificado de Clemente VII. Segundo relatos de cronistas da época, nem mesmo os bárbaros infligiram tantos males à santa cidade. Era consenso entre muitos que, após tantos problemas e imensa revolta popular, a Igreja estava fadada à destruição.

A saída encontrada pelos Papas posteriores aos Médici para enfrentar a crise ficou conhecida como a Contra-Reforma. A Igreja tentaria readquirir sua grandeza por meio de diversas ações e da instituição de um exército de padres devotos à sua causa, a Companhia de Jesus. A inquisição também foi reinstituída.

Mas as coisas não correriam tão bem como se imaginava. As ações de mudança na forma de conduzir a Igreja tiveram seus efeitos, mas não acabaram com o cisma. A partir de então, o Cristianismo ocidental se ramificaria em diversas religiões e seitas independentes entre si, longe do julgo de Roma: Calvinistas, Anglicanos, Luteranos. E essas são apenas algumas das novas doutrinas!

Esse novo período da história humana, que marca uma transição na forma de ver e enxergar o mundo levou o Renascimento a um momento de enrijecimento e, por fim, de transformação, que para muitos ficou conhecido como maneirismo. Era uma época de mudanças surpreendentes. A colonização do Novo Mundo, a ascensão dos grandes impérios coloniais e a destruição das culturas indígenas na América, são apenas algumas delas.

Outro ponto, tão importante quanto os destacados, foi a perda da certeza sobre o modo de ver o mundo. Um novo continente havia sido descoberto, com sociedades, ideais e religiões próprias. O mundo era redondo, e o sol não girava em torno dele! O homem começava a duvidar de si mesmo, da sua capacidade de compreender o universo. Esse momento de dúvida, desespero e agonia é representado pelas novas formas artísticas que surgem.
A última ceia - Tintoretto
Na pintura, as obras começarão a ficar cada vez menos centralizadas num personagem específico, e tomar ares confusos e desconexos. As diversas representações da Santa Ceia no período mostram Jesus Cristo perdido na multidão de personagens ali apresentados, atuando como “mais um entre outros”, como “um de nós”. Na obra “A ceia” de Tintoretto, podemos ver com perfeição esses elementos, já que o ambiente em que a refeição é realizada está repleto de personagens vagando pelo local, comendo e conversando, e com o profeta num plano menos destacado, mais próximo dos mortais que estão ali presentes.
A crucificação - Tintoretto
Até mesmo passagens bíblicas mais impactantes, como a crucificação, tomarão formas menos contemplativas. Veremos diversos personagens que parecem apenas passar pelo local, exércitos que se dirigem a um local qualquer, cenas que parecem continuar, mas que não são representadas completamente na obra produzida. A confusão de sentimentos, da fé e a perda de confiança no conhecimento humano não poderiam ser mais bem representadas.

No campo da escultura teremos mudanças significativas. As obras que, até então, mostravam imagens menos tensas, começarão a deslocar o ponto de representação para o clímax dos temas. Cabeças cortadas, sangue esvaindo, corpos dilacerados, deformados ou completamente dobrados. As personagens criadas beberão da “fonte de Michelangelo”, mas seguirão adiante com posições, formas e enquadramentos mais complexos, mais chocantes.

Villa Rotonda - Palladio
A arquitetura terá uma mudança também, principalmente no que tange à localização dos edifícios. A Europa do fim do Medievo e início do Renascimento legou às cidades suas maiores obras arquitetônicas. A Europa maneirista fará uma nova visita ao campo, com construções de casas, mansões e vilas de caça, de descanso e de passeio. A Villa Rotonda, em Vicenza, é um dos maiores exemplos dessa nova arquitetura, que utilizando o classicismo ao extremo, acaba por criar obras artísticas até mesmo onde antes seria impensado construí-las. Utilizando-se dos ideais vitruvianos e renascentistas, Palladio cria um modelo arquitetônico que será seguido por séculos. O homem burguês, ligado às áreas urbanas, começará a se deslocar ao campo novamente, mesmo que na maioria dos casos apenas para seu próprio divertimento. E o resultado de tantas transformações em todos os campos da cultura européia, culminará num novo estilo, o Barroco.

Grande abraço!

-- Thiago Amorim

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

O Renascimento

A criação de Adão - Capela Sistina

Tendo Roma caído sob as mãos bárbaras, ninguém mais tinha o controle da Europa. Um período obscuro e confuso tomou conta do continente, enquanto vários senhores tentavam dominar os restos do Império. Uma nova sociedade, uma nova forma de ver o mundo. E após séculos de confusão, algo se destacou entre os escombros: uma instituição que monopolizaria todas as esferas da vida européia na época, a Igreja Católica.

Vinda diretamente do Império Romano, tendo herdado seu legado, a Igreja é mais antiga que qualquer país Europeu. Durante séculos manteve seus próprios domínios, os Estados Papais, e de tão poderosa fazia estremecer até o mais rico dos reis.

Mas após séculos conturbados, que duraram aproximadamente até o ano mil, a Europa sofria novas reviravoltas. O comércio, as cidades e as Cruzadas trouxeram novas perspectivas. Uma espécie de reflorescimento econômico mexeu nos alicerces do poder, e o aumento da população e da riqueza permitiu o surgimento de novos personagens, os ricos comerciantes, que mais tarde seriam conhecidos como burgueses.
A Última Ceia - Leonado Da Vinci
Essa nova classe social que, ainda no tempo gótico, despontava na Europa, trouxe um caminho sem volta para o feudalismo: o seu fim. Livres da servidão, os comerciantes viajavam pela Europa, África e Ásia, entrando em contato com povos e lugares diversos. Foi apenas questão de tempo até que as ideias do passado mexessem com o presente, e mudassem completamente o futuro. Quando os escritos gregos foram redescobertos, tendo a burguesia se interessado apressadamente por eles, o homem voltou a questionar o universo.

Ainda no início do século XV, vários pensadores e artistas já se concentravam nos pequenos estados italianos, e o cerco e a queda de Constantinopla, em 1453, apenas apressou o processo. A ameaça islâmica no oriente trouxe muitos estudiosos gregos para a Itália, que em poucos anos tornou-se o novo centro da cultura européia, conduzindo o continente para o Renascimento artístico e cultural.

Costuma-se dizer que o renascimento trouxe mudanças significativas no modo de pensar europeu e, consequentemente, do mundo. Mas a verdade é que as mudanças sociais, políticas e econômicas que agitaram a Europa e o resto do planeta no período, é que mudaram o modo de ver o mundo. Após séculos de ressurgimento de cidades, de construções grandiosas para glorificar Deus e de grandes fortunas acumuladas através do rentável comércio local e internacional, o mundo europeu sofreu uma nova reviravolta.

Os escritos de Platão e Aristóteles, além, é claro, de diversos outros filósofos, pensadores e estudiosos gregos e romanos, possibilitaram aos europeus uma nova forma de olhar para o universo. O poder da Igreja talvez não fosse tão justo assim, e dedicar a vida à glorificação divina podia não ser tão interessante. A visão antropocêntrica tomava conta do pensamento do homem daquela época. Era ele, e não Deus, o centro do Universo.

Essa maneira de observar o mundo a partir do próprio homem é evidenciada na arte e arquitetura produzidas no período. Se o homem substitui Deus como agente atuante e transformador do mundo, sua percepção do real e do todo deve ser evidente em todos os campos do conhecimento. O homem racionalizava suas ambições e as transportava para suas obras.
Cúpula de Brunelleschi - Florença
A Cúpula de Brunelleschi tem um papel central nesse novo esquema. Mais de um século havia se passado desde o início da construção da catedral em Florença, tendo o seu povo se resignado pela incapacidade de realizar uma obra tão colossal. Vencidas as forças da natureza, e desafiando o próprio tempo, o arquiteto/escultor renascentista provou ser capaz de realizar o impossível. A cúpula será, a partir de então, um tema recorrente. O homem conseguiu dominar a natureza e colocá-la ao seu próprio serviço, ainda que nesse caso quisesse glorificar Deus.

Essa é, inclusive, uma das contradições do período. Apesar de ser uma época racional, Deus e os temas santos aparecem em grande parte das obras renascentistas, inclusive naquelas encomendadas pelos burgueses ricos. Ainda assim, a própria Igreja não exigirá apenas temas religiosos dos seus artistas, mas também pessoas, paisagens e situações diversas. E os artistas, por sua vez, rechearão as obras religiosas com temas pagãos.

O desenvolvimento da perspectiva possibilitará a realização dessas novas necessidades artísticas que surgem. Construções esquemáticas, planos centralizados, formas geométricas “puras”. Em cada obra observada pode-se encontrar elementos que confirmem isso. Da Vinci, com a Santa Ceia e Jesus ao centro; Michelangelo com a Sistina e o homem como cópia de Deus; Bramante e seu tempietto de formas simétricas e centralizadas. Todas as obras evidenciam essa harmonia, pureza e simetria almejadas.

Pietà - Michelangelo
A expressividade desse ser que agora se vê tão grandioso e chefe de si mesmo, o próprio homem, aparece ainda na pintura, escultura e literatura renascentistas. Na escultura, as diversas estátuas produzidas no período demonstram esse jogo de sentimentos que brotam da alma humana. A Pietà de Michelangelo é um desses exemplos, em que Maria, tão jovem e bela (apesar de provavelmente já ser uma senhora de idade na época da morte de Cristo), é retratada com um misto de dor e contemplação junto ao seu filho morto.

Na literatura um dos maiores expoentes do período é Nicolau Maquiavel, com sua obra “O Príncipe”. Nela o autor expõe a famosa ideia de que “os fins justificam os meios”, e que, portanto, os senhores, príncipes e reis podem, e devem, utilizar-se de quaisquer estratégias, por mais abomináveis que sejam, para alcançar seus objetivos.

Mas a revolução artística, que começou com os mercadores ricos da Itália e logo foi abraçada pela Igreja Católica e por todo o continente, iria em breve mudar a situação política da Europa. A reconstrução pela qual Roma passará no “quatrocento” e “cinquecento”, com a criação de diversos palácios, igrejas, praças, ruas e conventos, será absurdamente dispendiosa. Os custos para essa empreitada virá diretamente dos donativos oferecidos pelos fieis à Igreja. Paralelo a isso, panfletos, livros e ideias circulam livremente pelo continente. O resultado não podia ser diferente, e um problema jamais esperado pela Igreja surgirá: a Reforma Protestante!

Grande abraço!

- Thiago Amorim