domingo, 15 de julho de 2012

A Basílica de São Marcos


Basílica de São Marcos - Vista da praça


Localizada no centro da cidade de Veneza, ao lado do Palácio dos Doges e da famosíssima Praça de São Marcos, a Basílica é talvez a mais oriental das igrejas do Ocidente. Durante séculos simbolizou a estabilidade e a grandeza da Sereníssima República de Veneza, ostentando joias preciosas e fabulosos tesouros. Sua planta em estilo bizantino baseou-se abertamente na famosa e lendária Igreja dos Santos Apóstolos de Constantinopla, com seu formato de cruz grega, encimado por cinco cúpulas grandiosas.

Com cerca de 1.200 anos é uma das igrejas mais antigas ainda de pé no mundo. Sua construção iniciou-se no fim do século IX e, após algumas revoltas e destruições, perdurou por todo o tempo em que a República de Veneza era importante, ou seja, pelos próximos setecentos anos. A cada contato com uma terra distante, os mercadores venezianos traziam artefatos para presentear a igreja, tornando-a incrivelmente rica.

Planta Baixa da Basílica
A coleção de tesouros da basílica é curiosa, e em alguns casos duvidosa. Tudo foi garimpado através das conquistas da república veneziana em terras distantes, com guerras de extermínio e exploração dos lugares atacados. Os cavalos que decoram a fachada da Basílica, por exemplo, vieram do antigo hipódromo de Constantinopla, cidade esta despojada dos seus magníficos tesouros da Antiguidade pela ambição do Doge de Veneza durante a quarta cruzada.

As relíquias de São Marcos, que deram o nome a Basílica, também têm uma história interessante. Foram encontradas coincidentemente pouco tempo depois do desaparecimento dos restos mortais do túmulo de Alexandre, o Grande, em Alexandria no Egito. Para alguns, as relíquias pertencem ao famoso general Macedônico, enquanto para outros pertencem de fato ao Santo.

A igreja é completamente decorada com mármores de vários tipos, e dos mais diversos lugares. Também há uma fabulosa coleção de mosaicos bizantinos, todos esplendorosamente recheados de generosas quantidades de ouro. E não se deve esquecer o incrivelmente belo e fabuloso “Pala D’Oro”, um retábulo feito por ourives constantinopolitanos no século X e ricamente decorado em ouro, metais e gemas preciosas, como rubis, safiras e esmeraldas. Entre as relíquias ainda há o “Ícone da Mãe de Deus de Nikopeya”, roubada de Constantinopla no século XIII, e que figura entre os mais importantes artefatos religiosos presentes na Basílica.

Estátua de São Marcos - Fachada da Basílica
As cúpulas de madeira revestidas com placas de cobre que exibe atualmente foram anexadas num período tardio, para aproximar-se do gótico do Palácio dos Doges, o que explica porque no interior do edifício a igreja tem cúpulas achatadas, lembrando pires, e na parte exterior, cúpulas tão altas e afuniladas. Tanto o interior quanto o exterior são recheados de estátuas de santos e mártires da Igreja Católica.

O famoso campanário, construído diante da Basílica, faz parte do seu conjunto arquitetônico e é uma réplica de mesmas proporções de um mais antigo, destruído em 1902. A reconstrução demorou dez anos, tendo sido o edifício consagrado em 1912 por ocasião da festa de São Marcos.

Nikopeya - Ícone


Mas o triunfo dos venezianos não duraria para sempre. Com o fim do Império Bizantino e o descobrimento da América, seus comerciantes perderiam o lucrativo comércios com a Ásia, e a república entraria em ampla decadência. Quando Napoleão conquistou a Europa, Veneza caiu em suas mãos e foi despojada de seus tesouros. Agora tudo indicava que a gulosa república pagaria seus pecados do passado na mesma moeda.
O destino, entretanto, não seria tão traiçoeiro. Após a queda do egocêntrico Imperador francês, ela seria ressarcida pelos seus prejuízos, mas economicamente continuaria arruinada. Ainda assim, os erros do passado acabaram se mostrando um acerto para o presente: a coleção de tesouros da cidade, aliada a toda a história do lugar, a salvou da derrocada financeira através do turismo moderno.

Com uma história cheia de roubos e saques, cujo Império Bizantino foi sua maior vítima, a Basílica de São Marcos, e a própria cidade de Veneza, na verdade tornaram-se uma importante lembrança daquela sociedade. Quando Constantinopla caiu no século XV, suas instituições foram desmanteladas pelo Império Otomano e várias joias arquitetônicas e culturais perdidas. Não fosse a “guarda” dos artefatos pelos venezianos, muito mais coisas teriam se perdido para sempre. O que nos mostra mais uma vez os irônicos caprichos da história.

Grande abraço!

-- Thiago Amorim

sábado, 14 de julho de 2012

Vive La Révolution


Ela não foi a primeira e muito menos a última, mas talvez tenha sido a mais influente da história mundial. A queda da nobreza, a perseguição ao clero, o extermínio do rei e a ascensão da burguesia foram choques tão profundos nos velhos e enrijecidos estados europeus, que a tornou a mais lembrada das insurgências populares até os nossos dias. Seus ideais de “liberdade, igualdade e fraternidade” perduraram pela história, servindo de modelo para inúmeras outras revoluções pelo mundo, e inspiraram a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
A liberdade guiando o povo - Delacroix
Estou falando da Revolução Francesa de 1789 que, tradicionalmente, é comemorada no dia 14 de julho, data na qual a velha prisão da Bastilha, símbolo do poder real e um depósito de armas, foi tomada em Paris. Mas é claro que tudo não se resume a um único dia. Na verdade a data é simbólica, já que a população francesa se mantinha inquieta e se revoltara contra o clero e a nobreza meses antes, até mesmo anos antes.

Tudo começa ainda no século XVII, quando os ingleses fizeram sua própria revolução e exterminaram o seu rei. Entretanto, naquele país, as coisas se reorganizaram e um novo rei foi colocado no trono, sendo controlado pelo parlamento. Era o fim do absolutismo monárquico na Inglaterra, e o começo dos problemas na França, já que os ideais do iluminismo se difundiam cada vez mais pelo continente europeu. No próximo século, as colônias inglesas na América se revoltariam contra a metrópole e com ajuda do Rei Francês conquistariam sua independência.
A Tomada da Bastilha - Jean-Pierre Houël
A atitude francesa era no mínimo excêntrica, afinal o país mantinha sua população em petição de miséria, e a explorava absurdamente, indo contra qualquer ideia de liberdade. A sociedade francesa estava dividida no que se chamavam os “três estados”: a nobreza e o clero não trabalhavam e formavam o primeiro e o segundo, enquanto o populacho (comerciantes, burgueses e camponeses), que de fato trabalhava, formava o terceiro. Assim era a sociedade do “caridoso” rei: de um lado uma miscelânea de palácios, nobres, perucas e marionetes reunidas sob um único teto, o suntuoso palácio de Versailles, e do outro, a massa empobrecida e explorada para manter o luxo e o poder do reino.

Galeria dos Espelhos - Versailles
Tais condições não se manteriam indefinidamente. Os louvores ao rei em pouco tempo se transformariam em uma gritaria por pão e direitos, e o isolado monarca seria levado para Paris. Bastou uma frustrada tentativa de fuga para a Áustria, rapidamente interceptada, para selar o destino da família real: Rei e Rainha seriam guilhotinados em praça pública, o herdeiro trancado e esquecido, e o povo impediria qualquer um de falar suas últimas palavras.

Aquele povo que honrava e amava seu rei simplesmente lhe virou as costas, mas não sem antes ter sido abandonado pelo mesmo. Sim, abandonado. Para a sociedade europeia da época, rei e nação eram um único organismo, e a fuga do monarca mostrara que cabeça e corpo haviam se separado indefinidamente. Por isso nenhum peso de consciência impediu que as cabeças reais rolassem sob o julgo da guilhotina.

Os meses e anos seguintes à revolução foram difíceis e tumultuados, e o fim do absolutismo monárquico foi substituído pelo início da autocracia imperial. A França se tornaria um império forte à custa da conquista e destruição de diversos países europeus. Napoleão, levado ao poder graças às loucuras do pós-revolução, seria um Imperador itinerante e belicoso, acabando por ser esmagado sob o próprio peso.

Código Napoleônico - Primeira página
Apesar do “governo do povo” ter sido exterminado pouco tempo depois do fim da monarquia, os frutos da revolução não seriam esquecidos. Até mesmo o Império napoleônico legou direitos na sua constituição que perdurariam até os dias de hoje, todos baseados nos princípios da Revolução. E após mais um século de tumultos e revoltas, a França chegaria ao século XX como um poderoso estado democrático.

Analisando a história do mundo nos últimos dois séculos, é impossível não traçar um paralelo com a Revolução Francesa. Governos que pareciam eternos foram derrubados pelo povo; verdades absolutas foram desmanteladas e novas perguntas surgiram. No início do século XX o Império Russo foi implodido por uma revolução.

Hoje, no início do século XXI, diversos países árabes revoltam-se contra seus governantes absolutistas. A ligação entre essas manifestações e aquela do fim do século XVIII é mais que notória, é inspiradora. Os ideais da Revolução Francesa, que em 2012 completa 223 anos, nunca estiveram tão presentes!

Grande abraço!

-- Thiago Amorim

Para saber mais:

A Era das Revoluções” – Hobsbawm

quinta-feira, 21 de junho de 2012

A Muralha da China


O grande desenvolvimento da China dos dias atuais chama atenção em várias partes do mundo. Gigantescas metrópoles surgem em ritmo assustador por todo o país, e uma série desenfreada de construções entre estradas, pontes e aeroportos, parecem brotar do chão como num passe de mágica. Mas mesmo com tantas novidades há algo que ainda é a “cara” da China, que é sinônimo do poderoso país asiático. Trata-se da milenar muralha da China: uma obra tão complexa e colossal, que deixaria qualquer Faraó egípcio com inveja. 

A estrutura estende-se por milhares e milhares de quilômetros, serpenteando entre montes e vales estreitos; desafiando gigantescos precipícios. Em alguns pontos está assentada em terreno tão irregular e inacessível que é difícil para os visitantes acreditarem no que estão vendo. Essa complexa estrutura defensiva foi colocada ali há mais de dois mil anos, com a função de barrar as tribos bárbaras do norte da Ásia, em especial os mongóis, que ameaçavam os domínios do Imperador Chinês (e também para garantir a dominação por trás dos muros, é claro).

A dimensão exata da famosa muralha é até hoje desconhecida, mas é consenso entre os cientistas que deva se aproximar dos oito ou nove mil quilômetros de extensão. Ela atravessa uma área do atual “Centro-Norte” da China, estendendo-se de leste a oeste em sessões nem sempre contínuas. Os materiais construtivos divergem em muitas partes: enquanto em alguns lugares há uso em larga escala da pedra, em outros pontos apenas terra batida e madeira compõem os muros. A terra, apesar de parecer um frágil material, na verdade é muito resistente a ação do tempo devido à maneira que foi trabalhada.

Mas o exato momento em que as pedras, os tijolos e a areia foram assentados, ainda é motivo de discussão entre os estudiosos. Para alguns cientistas, as mais antigas dinastias chinesas estão por trás da construção, antes mesmo da unificação do país: as dinastias subsequentes teriam atuado apenas como ampliadoras e restauradoras da estrutura original. A estrutura, portanto, deve ter aproximadamente dois mil e quinhentos anos em alguns pontos, e apenas alguns séculos de idade em outros. Segundo a tradição, a muralha teria sido erigida sob as ordens do General Meng, que havia sido incumbido da tarefa pelo temível Imperador Qin Shi Huang-Di, fundador da dinastia Qin (lê-se Chin, e assim temos a origem do nome “China”), e considerado o Primeiro Imperador Chinês.

A muralha foi apenas uma das obras faraônicas do Imperador. Até que Qin tivesse unificado o Império, no século III A.C., a China era dividida em vários reinos que digladiavam entre si pelo poder supremo. O primeiro imperador não só os conquistou como ordenou que os nobres dos reinos fossem levados a morar perto de si, na Capital do império, em uma cidade construída especialmente para isso. 120 mil famílias nobres passaram a morar “juntas” do “dia para a noite”, e é claro, um enorme volume de palácios foi construído para tornar-se o lar dessas pessoas. Um relato das dimensões do seu palácio comprova isso, já que após a morte de Qin, e a queda de sua dinastia, diz-se que o palácio real permaneceu em chamas durante cinco dias ininterruptos! Uma verdadeira fogueira apocalíptica!

Se nos assustamos com o volume colossal das obras agitadas dos dias atuais na China, deveríamos imaginar o que os pobres camponeses explorados pelo Imperador devem ter pensado do volume gigantesco de trabalho e material empreendidos nos seus ambiciosos projetos.

Curiosamente, e lamentavelmente, uma última obra empreendida por Qin antes de sua morte foi a grande queima de livros, que destruiu milênios de história chinesa de uma só vez. Ele também perseguiu, matou e exilou diversos estudiosos e pensadores, algo um tanto parecido com atos do governo chinês atual. Talvez a China não tenha mudado tanto. A Muralha da China ainda é mesmo a “cara da China”.

-- Thiago Amorim


Para saber mais:


O Primeiro Imperador da China - Frances Wood

terça-feira, 15 de maio de 2012

Pietà


Adoro o Michelangelo e por isso faço pesquisas sobre sua vida e suas obras sempre que possível. Devido à sua personalidade egocêntrica e paranoica ele fez muitos inimigos em vida, mas também deixou uma legião de fãs incontestáveis por toda a história. Entre as mais famosas das suas empreitadas certamente estão a capela sistina e a construção da Basílica de São Pedro em Roma (na qual obteve ajuda de diversos outros artistas). Para mim, entretanto, a Pietà é incontestavelmente o maior tesouro artístico legado por esse gênio renascentista à humanidade.

Abaixo, segue um breve relato sobre a obra. Divirtam-se!

Michelangelo era um jovem escultor de apenas 23 anos quando realizou essa incrível obra de arte. Com cerca de 1,70m de altura por 1,90m de largura, a Pietà é uma das mais famosas estátuas em mármore carrara do mundo, e provavelmente a mais valiosa entre todas elas.

Foi encomendada em 1498, pelo cardeal francês Jean de Billheres, para a capela dos reis da França, na antiga Basílica de São Pedro, em Roma. Quando ficou pronta chamou a atenção de todos que a viam, e tornou-se rapidamente uma das obras mais aclamadas e copiadas no mundo.

Finalizada em 1499, mostra uma jovem virgem Maria segurando o Cristo morto em seus braços. As dimensões entre ambos são intencionalmente distorcidas, de forma que a sensação de sofrimento e perda da virgem, junto à fraqueza do Deus recentemente morto, seja enaltecida diante dos olhos dos observadores. O artista também a deixou mais jovem, pois dizia que “aqueles que têm fé jamais envelhecem”.

A estátua é uma das mais bem executadas em toda a história. Tamanhos foram a acurácia e talento empreendidos no trabalho, que as unhas e, até mesmo, as artérias das figuras são percebidas pelos observadores.

A Pietà já foi reposicionada na Basílica diversas vezes, devido à reconstrução de São Pedro no século XVI. Hoje está disposta na primeira capela do lado direito da igreja, protegida por um enorme painel à prova de balas. Tal radicalismo na proteção da estátua, explica-se pelo incidente ocorrido na década de 1970, quando um louco avançou sobre o objeto e o golpeou com um martelo, danificando-lhe o rosto, o braço, os dedos e a cabeça. Apesar de esse ser o mais famoso e fatídico acidente envolvendo-a, não foi o único, tendo sido a estátua danificada e restaurada em anos anteriores.

Ela é a única obra de arte assinada por Michelangelo, e considerada um dos seus melhores trabalhos. A beleza e qualidade da peça evidenciam a técnica e majestade das inúmeras realizações artísticas do famoso escultor, arquiteto, poeta e pintor renascentista.

Grande abraço!

-- Thiago Amorim

Curiosidades:

- A estátua é feita completamente em mármore carrara, mas foi tão bem polida e trabalhada que sua aparência assemelha-se ao marfim;

- Várias partes da estátua foram perdidas com os danos sofridos no ataque de 1972. Seu nariz nunca foi recuperado, e os restauradores tiveram de dar-lhe um novo, utilizando o mesmo mármore do qual ela foi feita;

- A restauração da década de 1970 foi realizada pelo brasileiro Deoclécio Redig de Campos, um paraense que era chefe de laboratório de restauração, e diretor dos Museus Vaticanos;

- Laszlo Toth nunca foi responsabilizado criminalmente pelo ataque à estátua, mas ficou alguns anos preso em uma clínica psiquiátrica. Ele hoje vive na Austrália;
- As assinaturas em obras de arte não eram comuns no Renascimento, e Michelangelo só assinou o trabalho por medo de não ser reconhecido em anos posteriores;
- A Pietà é única obra assinada pelo neurótico artista;
Para saber mais:
- Michelangelo e o Teto do Papa  - Ross King
- Michelangelo - Nadine Sautel

quarta-feira, 11 de abril de 2012

A Igreja dos Santos Apóstolos


Construída na nova Capital do Império Romano, por Constantino, o Grande, a Igreja dos Santos Apóstolos ficou conhecida em sua época como uma das mais belas construções religiosas do mundo cristão. Ricamente decorada com diversos tipos de mármores, gemas preciosas, grandes quantidades de prata e um fabuloso teto de ouro, somente a Basílica Hagia Sophia lhe fazia sombra em fama e importância.

Essa coexistência com a basílica gigante, que a história faria com que a obscurecesse, não tirava os louros ou glórias do famoso edifício. A Igreja dos Santos Apóstolos era muito mais visitada, pois estava localizada no “centro novo” de Constantinopla, próxima aos locais de comércio e passagem de estrangeiros, fiéis e visitantes de todos os lugares da Europa, Ásia e África. A fama era justa. Nesse templo ficavam localizados os túmulos e mausoléus dos imperadores bizantinos desde Constantino, e também as relíquias de santos e mártires da igreja Ortodoxa.
Reprodução em computação gráfica da possível forma da Igreja dos Santos Apóstolos,
 por volta do século XII . Apesar de ter sido construída em forma de cruz grega,
o braço oriental da igreja foi alongado, para abrir espaço para um átrio
Quando construída, “Santos Apóstolos”, como o nome sugere, tinha o objetivo de guardar as relíquias de todos os apóstolos e discípulos de Cristo. Após anos e anos de buscas, somente as relíquias de Santo André, São Lucas e São Timóteo foram adquiridas, e a igreja acabou sendo dedicada apenas aos três. Sua construção iniciou-se por volta do ano 330 D.C., supostamente por Constantino, mas foi a reconstrução feita por Justiniano ou Teodora, e consagrada na véspera do dia de São Pedro de 550 D.C. que a tornou tão famosa e importante.

Possível Planta Baixa da
Igreja dos Santos Apóstolos
Suas formas são pouco conhecidas. Ainda assim, documentos do século XI e XII a descrevem como uma basílica em forma de cruz grega, projetada pelos mesmos arquitetos de Hagia Sophia. Os quatro braços da cruz eram adornados com cúpulas imensas, tendo sido incorporada mais uma ao transepto da igreja, de forma a tornar o conjunto mais harmonioso. Seus tesouros eram colossais, já que grandes quantidades de peregrinos a visitavam todos os anos. Tanta fama e riqueza certamente atraíam olhos cobiçosos por toda a Europa, e o povo de Constantinopla temia qualquer movimentação militar rumo à sua rica cidade.

Infelizmente, em 1204, o saque de Constantinopla confirmou os temerosos presságios dos místicos habitantes de Constantinopla. A cidade foi arrasada e a igreja completamente saqueada. Até mesmo os túmulos dos reis foram revirados; Joias e tesouros inestimáveis ali contidos seriam roubados e levados para portos cristãos na Itália. Segundo relatos de testemunhas, a coroa do Imperador Heráclio foi arrancada de sua cabeça com os cabelos do defunto ainda grudados nela. Seguiu-se então um período obscuro no Império Bizantino, cujo controle estava em mãos ocidentais. Esse período durou quase 60 anos, até que o império fosse restaurado.

No início do século XIV a basílica foi mais uma vez reformada e por um breve período de tempo vislumbrou-se um pouco do seu glorioso passado. Com o enfraquecimento de Bizâncio e a inevitável queda do Império, ela sucateou-se novamente. Quando os turcos invadiram e tomaram a cidade, a igreja estava praticamente em ruínas. Ela passou a ser a sede do Patriarcado Ortodoxo por alguns anos, mas foi destruída pelos Otomanos em anos posteriores para dar lugar à mesquita Fatih (mesquita do conquistador, em honra à Memeth II, o Sultão responsável pela queda de Constantinopla).

Hoje nada resta da famosa Igreja de Constantinopla. Os povos que a visitaram, há muito desapareceram e o próprio império deixou de existir. “Santos Apóstolos”, mais que Hagia Sophia (convertida à força ao culto muçulmano), evidencia a agonia e a derrocada de um império milenar. Os muros foram postos abaixo; um novo mundo erguido em seu lugar.

Grande abraço!

-- Thiago Amorim

Curiosidades:

As fontes asseguram que a Basílica de São Marcos, em Veneza, tem seu desenho inspirado na Igreja dos Santos Apóstolos, o que nos mostra como a construção deve ter sido realmente fabulosa;

Alguns dos tesouros de “São Marcos” pertenciam antes à famosa igreja constantinopolitana;

“Santos Apóstolos” era a segunda igreja mais importante para os cristãos ortodoxos, algo como a basílica de São Pedro é hoje para os católicos do mundo todo;


Link do projeto Byzantium 1200, onde pode-se ver mais imagens em computação gráfica da famosa igreja:  http://www.arkeo3d.com/byzantium1200/apostles.html

quarta-feira, 28 de março de 2012

A viagem à Lua!



Inspirado pelo filme “Hugo” do Scorsese, resolvi postar o vídeo daquele que talvez tenha sido o primeiro filme “fantástico” da história: “A viagem à Lua”, do George Meliés! O roteiro baseia-se na obra de Júlio Verne, e, como o título sugere, mostra uma improvável viagem de seis intrépidos aventureiros até a lua.

Apesar da época em que foi produzido, o filme já traz elementos do que seria utilizado em larga escala pelo cinema mundial no futuro: os efeitos especiais!
Vejam, e divirtam-se!

Grande abraço!

-- Thiago Amorim

sexta-feira, 23 de março de 2012

A Basílica Hagia Sophia


Basílica Hagia Sophia em Istambul
Construída no centro político e cultural do império bizantino, a basílica Hagia Sophia foi durante mil anos o maior templo religioso do mundo cristão. Suas formas eram tão grandiosas e sublimes que, antes mesmo da queda de Constantinopla e o triunfo do império Turco-Otomano, já influenciava a arquitetura islâmica, tendo sido adotada por esta última como modelo para as mesquitas em diversos lugares da Europa, da Ásia e da África.

Durante o reinado de Constantino, quando Roma ainda era um Império só, a cidade de Constantinopla foi fundada e ganhou uma basílica Imperial, a de Santa Sofia. Ela foi destruída devido a revolta popular que se seguiu ao afastamento do patriarca João Crisóstomo e reconstruída em 415. Sob o reinado de Justiniano, em 532, a igreja foi destruída mais uma vez na famosa revolta de Nika, e uma nova reconstruída no local. Essa nova construção é a mesma que vemos nos dias atuais, após incríveis 1475 anos!
A obra foi encomendada pelo Imperador Justiniano I que exigia um edifício tão grandioso quanto os cofres do Império pudessem pagar. Os responsáveis por seu projeto e execução foram os gregos Isidoro de Mileto, que era médico, e Antêmio de Trales, um matemático. Os dois analisaram cuidadosamente as melhores formas a ser empregadas na nova estrutura e concordaram com a ideia de uma cúpula gigantesca assentada sobre três naves igualmente grandiosas.

Os trabalhos seguiram por cinco anos ininterruptos, utilizando os melhores materiais disponíveis. A pressa na construção, entretanto, trouxe problemas logísticos e partes do projeto foram modificadas para se adequar a esses contratempos. Além disso, os cálculos para a resistência da cúpula não foram bem executados e sérios problemas estruturais comprometeram diversos pontos da basílica em anos posteriores. A solução encontrada para manter a basílica de pé, está nos contrafortes gigantescos que podem ser vistos atualmente no lado exterior do edifício.

Com tudo pronto, os Imperadores Justiniano e Teodora inauguraram a gigantesca estrutura. Ela havia sido ricamente decorada com enormes quantidades de ouro em motivos florais e imagens de santos, mas evitou-se a utilização de ícones escultóricos, devido às inconsistências nos dogmas da igreja sobre a veneração de tais artefatos.

A basílica impressionou a todos desde a sua construção, e mesmo que por duas vezes a cúpula tenha desabado e precisado ser refeita, o edifício que se encontra hoje em Istambul é o mesmo utilizado por Justiniano e sua corte na consagração dois dias após o natal de 537.
Reconstituição da Basílica em três fases: A primeira erigida por Constantino,
a segunda inaugurada em 537 e a última, e atual,
com o novo domo após o colapso de 557
Após quase mil anos servindo como templo cristão ortodoxo*, os turcos conquistaram a cidade e converteram a igreja em mesquita. Os mosaicos e imagens floridos de santos e mártires foram cobertos por espessas camadas de cal. Quatro gigantescos minaretes foram erigidos e o credo ortodoxo silenciado para sempre. Pelos próximos quinhentos anos, diversas mesquitas seriam construídas na cidade, tendo como inspiração a grandiosa basílica. Hoje ela é um museu em Istambul, na Turquia, antiga Constantinopla, e continua encantando peregrinos e visitantes de todas as partes do mundo.

Grande Abraço!

-- Thiago Amorim

* Após o saque de Constantinopla, em 1204, pelos cruzados, a Basílica foi consagrada como templo católico romano, e assim permaneceu até 1261, quando a cidade foi reconquistada pelos bizantinos e a igreja “reconvertida” para o credo ortodoxo.

Para saber mais:

A queda de Constantinopla - Steven Runciman
1453: A guerra Santa por Constantinopla e o confronto entre o Islã e o Ocidente - Roger Crowley
Hagia Sophia recém restaurada
Link: http://www.arkeo3d.com/byzantium1200/hagia.html (Hagia Sophia- reconstituição pelo projeto Byzantium 1200)

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Gênios e Rivais: Bernini, Borromini e a disputa que transformou Roma

Nessas férias o principal passatempo foi ler alguns livros. Depois de “Hitler”, do Ian Kershaw; “A batalha do apocalipse”, do Eduardo Spohr; e “Carlos Magno” do Jean Favier, tive a oportunidade de ler o incrível “Gênios e rivais” do Jake Morrissey. De leitura agradável e muito interessante, trago-o como dica de livro da vez. Abaixo, um pequeno relato sobre o que podemos encontrar nas suas páginas.

O Renascimento artístico Europeu foi um dos acontecimentos mais incríveis já realizados pela raça humana. Boa parte das maiores obras artísticas e culturais desenvolvidas pelo homem, e admiradas atualmente, vieram dessa época, que também viu surgir aqueles que talvez tenham sido os mais importantes artistas da história. A lista é grande: Michelângelo, Da Vinci, Rafael Sanzi, Bramante... Figuras tão complexas e surpreendentes quanto os seus talentos.

Os frutos do renascimento e dos famosos artistas por trás desse movimento fizeram aparecer novas formas de ver e perceber o mundo. Tão importante quanto isso, fez com que nos séculos seguintes novos artistas surgissem e desenvolvessem seus próprios talentos. Dois desses novos artistas, Bernini e Borromini, trouxeram para o século XVII a disputa que havia existido entre os expoentes do século XVI. Contemporâneos, ambos tornaram-se figuras conhecidas e requisitadas, sendo criadores e construtores das maiores jóias do barroco italiano.

A disputa foi acirrada e tempestiva. Bernini, o preferido do Papa Urbano VIII, era genial e carismático, agradando a todos que o encontravam. Borromini, por sua vez, dispunha de uma genialidade à altura, mas era turrão e pouco agradável. Ambos trabalharam nas obras da Basílica de São Pedro, em Roma, e construíram diversas igrejas, fontes, praças e palácios na cidade.

Os problemas entre ambos começaram enquanto eram ainda jovens, durante a construção do Baldaquino do altar da Basílica. Com desenhos iniciais de Carlo Maderno, o gigantesco dossel de bronze acabou sendo delegado ao jovem Bernini, que com ajuda e ideias de Borromini, conseguiu terminar a colossal tarefa. Apesar de ter sido extremamente importante para o trabalho, Borromini foi posto de lado e transformado em mero “ajudante” de Bernini. O ódio surgido a partir desse acontecimento perdurou por toda a vida, fazendo Borromini surtar de raiva ao ouvir falar do concorrente.

Ambos continuaram criando e se envolvendo nas disputas pelo gosto da elite romana. Apesar de Bernini ser muito astuto, acabou por se envolver em problemas ao insistir na construção dos campanários de São Pedro, e por alguns anos foi desacreditado. No futuro, foi reconsiderado, e novamente elevado à categoria de gênio do barroco, graças a sua incrível “fonte dos quatro rios”. Entre suas obras mais famosas estão a “Cathedra Petri” no altar de São Pedro, a estátua de São Longuinho, o túmulo de Urbano VIII e a Colunata da Basílica de São Pedro.

Borromini nunca foi muito amado devido ao seu temperamento. Entretanto, construiu obras magníficas como “Sant'Ivo alla Sapienza”, “Santa Agnese in agone” e o “Oratorio dei filippini”, além de ter reformado a Basílica de São João Latrão. De certa forma ele teve seu talento eclipsado pelo de Bernini e morreu tragicamente em 1667, tendo cometido suicídio. Bernini, que viveu até 1680, foi aclamado como o maior artista do Barroco e, após receber um convite do Rei Sol, fez uma visita de seis meses à França.

A briga de egos é o tema do livro, e ver como eles pensaram e criaram suas obras é extremamente excitante. “Gênios e Rivais: Bernini, Borromini e a disputa que transformou Roma” é um dos livros que mais gostei de ler. O terminei em dois dias apenas, e fiquei com aquela sensação de quero mais no final.

Fica então a dica de leitura!

Grande abraço!

-- Thiago Amorim



sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Normandie



Eis o mais belo e mais luxuoso navio já construído!

Não, você nunca ouviu falar dele, já que a fama pertence ao Titanic, e ficará com este último para sempre devido à tragédia. Mas certamente o Normandie encanta a todos que conhecem a sua história ou já o tenham visto, mesmo que em uma foto apenas.

A época de ouro das viagens navais ainda estava em curso, e os aviões eram meros sonhos quiméricos, muito longe de se tornarem tão importantes quanto hoje. Construído na França durante a grande depressão, o luxuoso transatlântico iria rivalizar com os navios “Queen Elizabeth” e “Queen Mary”, da Cunard, no transporte de passageiros no Atlântico.

O Normandie era extremamente luxuoso e requintado, com uma decoração em estilo Art Déco de fazer inveja a qualquer outro no mundo. Seu público alvo era a elite, e por isso tinha quase metade das suas cabines destinadas à primeira classe. Essas, inclusive, tinham elementos decorativos, conveses de passeio, e até mesmo salas de refeição particulares.

Entre todas as maravilhas que possuía, o elemento mais incrível do navio era o salão de refeições da primeira classe, estrategicamente construído no centro do navio. Ali um espaço contínuo de quase cem metros de comprimento e oito e meio de altura, ladeado por colunas de cristais Lalique, com enormes portas e painéis de bronze, fascinava todos os visitantes. Para conseguir o espaço necessário para o salão, os arquitetos criaram uma solução fascinante, desviando os tubos de exaustão dos motores elétricos, e disfarçando-os entre as colunas do ambiente. Os críticos chegavam a dizer que nem mesmo o Salão de Espelhos de Versailles lhe fazia sombra. Em suma, era um triunfo da arquitetura e engenharia navais.

Mas seu triunfo não seria eterno. Lançado em 1935, o Normandie foi requisitado para a guerra que assolaria a Europa a partir de 1939. Ele foi rebocado e levado para Nova York em 1941, onde sofreria reformas para o transporte das tropas. Durante os trabalhos, entretanto, o luxuoso navio sofreu um incêndio.

Uma enorme quantidade de água foi lançada contra as chamas, mas isso se mostrou um erro fatal. Sem ter por onde escorrer, a água se acumulou na parte superior do navio, e a perda de estabilidade o fez virar. Ele permaneceria no mesmo local durante toda a guerra até ser desmantelado e transformado em sucata em meados da década de 1940.

Com o incêndio o Normandie se foi rapidamente e, mesmo tendo sido muito famoso à época, tornou-se um ilustre desconhecido perdido no passado.

Grande Abraço!

-- Thiago Amorim

Números:

- 314 metros de comprimento e 37 de largura;
- Doze conveses;
- Capacidade para 1972 passageiros, sendo 850 na primeira classe;
- Tripulação de 1345 pessoas;
- Quatrocentos garçons e cento e vinte e cinco chefs serviam o salão de jantar da primeira classe;
- O Normandie fez duas visitas ao Rio de Janeiro em 1938 e 1939;
- O navio tinha 83.000 toneladas (o maior do mundo à época);
  - Foi um recordista de velocidade durante os anos 1930 nas viagens transatlânticas.




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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Encefalite Letárgica!



Resolvi falar sobre isso em um dos posts desse mês porque há muito tempo fiquei morrendo de medo de algo do tipo acontecer comigo. É claro que tudo não passou de uma bobagem minha, de uma agonia hipocondríaca que só podia vir de mim mesmo. Afinal, Vovó Marina (que Deus a tenha!) era extremamente nervosa com qualquer coisa que pudesse deixá-la doente, e acho que herdei essa característica fatídica dela. 

Outro fator para escrever sobre o assunto é o fato de estar de férias e dormir o tempo todo. Não por estar com a doença, mas por puro cansaço mesmo. O semestre na faculdade foi "pesado". Mas vamos ao que interessa:

Imagina que um dia você está com um daqueles sonos gigantescos, que mal te deixam de olhos abertos. Resolve dormir, feliz e tranquilo, com vontade de ficar na cama por séculos. Bem, eu não pediria para dormir por séculos, pois esse desejo pode se realizar...

Trata-se de uma doença pouco conhecida e muito pouco comentada, em parte devido às circunstâncias em que apareceu. Durante e após a Primeira Guerra Mundial, cerca de cinco milhões de pessoas foram infectadas no mundo (e morreram), numa epidemia de proporções cataclísmicas. O fato é que mesmo tendo alcançado tantas pessoas, a gripe espanhola, que matou cerca de vinte milhões “roubou a cena” das epidemias na época, e a doença nem ao menos é citada na história.

A enfermidade chama-se “encefalite letárgica” e, como o próprio nome sugere, deixa o indivíduo cansado, abatido, em estado de cansaço total. A pessoa cai num sono profundo e passa dias, semanas, e até meses dormindo, enquanto a morte não chega. Os infectados não acordam para ir ao banheiro, comer ou tomar banho, apenas permanecem numa espécie de coma profundo. Caso alguém os desperte, eles alimentam-se rapidamente e voltam a dormir.

Não há cura! Simplesmente não se sabe como a doença surge, ou como se desenvolve. Entre todos os infectados, os poucos que conseguiram sobreviver passaram o resto da vida numa espécie de fadiga permanente.

Mas não há motivos para pânico! Afinal, a epidemia veio e foi embora no início do século passado, sem deixar qualquer rastro que seja. Assim, apesar do medo mortal de dormir para sempre (trocadilho infame), estou tranquilo e curtindo muito as férias! Não vão cismar com isso hein! Haha!

Para saber mais:

Breve história de quase tudo - Bill Bryson
A história e suas epidemias - Stefan Cunha Ujvari

Grande abraço!

-- Thiago Amorim