domingo, 15 de julho de 2012

A Basílica de São Marcos


Basílica de São Marcos - Vista da praça


Localizada no centro da cidade de Veneza, ao lado do Palácio dos Doges e da famosíssima Praça de São Marcos, a Basílica é talvez a mais oriental das igrejas do Ocidente. Durante séculos simbolizou a estabilidade e a grandeza da Sereníssima República de Veneza, ostentando joias preciosas e fabulosos tesouros. Sua planta em estilo bizantino baseou-se abertamente na famosa e lendária Igreja dos Santos Apóstolos de Constantinopla, com seu formato de cruz grega, encimado por cinco cúpulas grandiosas.

Com cerca de 1.200 anos é uma das igrejas mais antigas ainda de pé no mundo. Sua construção iniciou-se no fim do século IX e, após algumas revoltas e destruições, perdurou por todo o tempo em que a República de Veneza era importante, ou seja, pelos próximos setecentos anos. A cada contato com uma terra distante, os mercadores venezianos traziam artefatos para presentear a igreja, tornando-a incrivelmente rica.

Planta Baixa da Basílica
A coleção de tesouros da basílica é curiosa, e em alguns casos duvidosa. Tudo foi garimpado através das conquistas da república veneziana em terras distantes, com guerras de extermínio e exploração dos lugares atacados. Os cavalos que decoram a fachada da Basílica, por exemplo, vieram do antigo hipódromo de Constantinopla, cidade esta despojada dos seus magníficos tesouros da Antiguidade pela ambição do Doge de Veneza durante a quarta cruzada.

As relíquias de São Marcos, que deram o nome a Basílica, também têm uma história interessante. Foram encontradas coincidentemente pouco tempo depois do desaparecimento dos restos mortais do túmulo de Alexandre, o Grande, em Alexandria no Egito. Para alguns, as relíquias pertencem ao famoso general Macedônico, enquanto para outros pertencem de fato ao Santo.

A igreja é completamente decorada com mármores de vários tipos, e dos mais diversos lugares. Também há uma fabulosa coleção de mosaicos bizantinos, todos esplendorosamente recheados de generosas quantidades de ouro. E não se deve esquecer o incrivelmente belo e fabuloso “Pala D’Oro”, um retábulo feito por ourives constantinopolitanos no século X e ricamente decorado em ouro, metais e gemas preciosas, como rubis, safiras e esmeraldas. Entre as relíquias ainda há o “Ícone da Mãe de Deus de Nikopeya”, roubada de Constantinopla no século XIII, e que figura entre os mais importantes artefatos religiosos presentes na Basílica.

Estátua de São Marcos - Fachada da Basílica
As cúpulas de madeira revestidas com placas de cobre que exibe atualmente foram anexadas num período tardio, para aproximar-se do gótico do Palácio dos Doges, o que explica porque no interior do edifício a igreja tem cúpulas achatadas, lembrando pires, e na parte exterior, cúpulas tão altas e afuniladas. Tanto o interior quanto o exterior são recheados de estátuas de santos e mártires da Igreja Católica.

O famoso campanário, construído diante da Basílica, faz parte do seu conjunto arquitetônico e é uma réplica de mesmas proporções de um mais antigo, destruído em 1902. A reconstrução demorou dez anos, tendo sido o edifício consagrado em 1912 por ocasião da festa de São Marcos.

Nikopeya - Ícone


Mas o triunfo dos venezianos não duraria para sempre. Com o fim do Império Bizantino e o descobrimento da América, seus comerciantes perderiam o lucrativo comércios com a Ásia, e a república entraria em ampla decadência. Quando Napoleão conquistou a Europa, Veneza caiu em suas mãos e foi despojada de seus tesouros. Agora tudo indicava que a gulosa república pagaria seus pecados do passado na mesma moeda.
O destino, entretanto, não seria tão traiçoeiro. Após a queda do egocêntrico Imperador francês, ela seria ressarcida pelos seus prejuízos, mas economicamente continuaria arruinada. Ainda assim, os erros do passado acabaram se mostrando um acerto para o presente: a coleção de tesouros da cidade, aliada a toda a história do lugar, a salvou da derrocada financeira através do turismo moderno.

Com uma história cheia de roubos e saques, cujo Império Bizantino foi sua maior vítima, a Basílica de São Marcos, e a própria cidade de Veneza, na verdade tornaram-se uma importante lembrança daquela sociedade. Quando Constantinopla caiu no século XV, suas instituições foram desmanteladas pelo Império Otomano e várias joias arquitetônicas e culturais perdidas. Não fosse a “guarda” dos artefatos pelos venezianos, muito mais coisas teriam se perdido para sempre. O que nos mostra mais uma vez os irônicos caprichos da história.

Grande abraço!

-- Thiago Amorim

sábado, 14 de julho de 2012

Vive La Révolution


Ela não foi a primeira e muito menos a última, mas talvez tenha sido a mais influente da história mundial. A queda da nobreza, a perseguição ao clero, o extermínio do rei e a ascensão da burguesia foram choques tão profundos nos velhos e enrijecidos estados europeus, que a tornou a mais lembrada das insurgências populares até os nossos dias. Seus ideais de “liberdade, igualdade e fraternidade” perduraram pela história, servindo de modelo para inúmeras outras revoluções pelo mundo, e inspiraram a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
A liberdade guiando o povo - Delacroix
Estou falando da Revolução Francesa de 1789 que, tradicionalmente, é comemorada no dia 14 de julho, data na qual a velha prisão da Bastilha, símbolo do poder real e um depósito de armas, foi tomada em Paris. Mas é claro que tudo não se resume a um único dia. Na verdade a data é simbólica, já que a população francesa se mantinha inquieta e se revoltara contra o clero e a nobreza meses antes, até mesmo anos antes.

Tudo começa ainda no século XVII, quando os ingleses fizeram sua própria revolução e exterminaram o seu rei. Entretanto, naquele país, as coisas se reorganizaram e um novo rei foi colocado no trono, sendo controlado pelo parlamento. Era o fim do absolutismo monárquico na Inglaterra, e o começo dos problemas na França, já que os ideais do iluminismo se difundiam cada vez mais pelo continente europeu. No próximo século, as colônias inglesas na América se revoltariam contra a metrópole e com ajuda do Rei Francês conquistariam sua independência.
A Tomada da Bastilha - Jean-Pierre Houël
A atitude francesa era no mínimo excêntrica, afinal o país mantinha sua população em petição de miséria, e a explorava absurdamente, indo contra qualquer ideia de liberdade. A sociedade francesa estava dividida no que se chamavam os “três estados”: a nobreza e o clero não trabalhavam e formavam o primeiro e o segundo, enquanto o populacho (comerciantes, burgueses e camponeses), que de fato trabalhava, formava o terceiro. Assim era a sociedade do “caridoso” rei: de um lado uma miscelânea de palácios, nobres, perucas e marionetes reunidas sob um único teto, o suntuoso palácio de Versailles, e do outro, a massa empobrecida e explorada para manter o luxo e o poder do reino.

Galeria dos Espelhos - Versailles
Tais condições não se manteriam indefinidamente. Os louvores ao rei em pouco tempo se transformariam em uma gritaria por pão e direitos, e o isolado monarca seria levado para Paris. Bastou uma frustrada tentativa de fuga para a Áustria, rapidamente interceptada, para selar o destino da família real: Rei e Rainha seriam guilhotinados em praça pública, o herdeiro trancado e esquecido, e o povo impediria qualquer um de falar suas últimas palavras.

Aquele povo que honrava e amava seu rei simplesmente lhe virou as costas, mas não sem antes ter sido abandonado pelo mesmo. Sim, abandonado. Para a sociedade europeia da época, rei e nação eram um único organismo, e a fuga do monarca mostrara que cabeça e corpo haviam se separado indefinidamente. Por isso nenhum peso de consciência impediu que as cabeças reais rolassem sob o julgo da guilhotina.

Os meses e anos seguintes à revolução foram difíceis e tumultuados, e o fim do absolutismo monárquico foi substituído pelo início da autocracia imperial. A França se tornaria um império forte à custa da conquista e destruição de diversos países europeus. Napoleão, levado ao poder graças às loucuras do pós-revolução, seria um Imperador itinerante e belicoso, acabando por ser esmagado sob o próprio peso.

Código Napoleônico - Primeira página
Apesar do “governo do povo” ter sido exterminado pouco tempo depois do fim da monarquia, os frutos da revolução não seriam esquecidos. Até mesmo o Império napoleônico legou direitos na sua constituição que perdurariam até os dias de hoje, todos baseados nos princípios da Revolução. E após mais um século de tumultos e revoltas, a França chegaria ao século XX como um poderoso estado democrático.

Analisando a história do mundo nos últimos dois séculos, é impossível não traçar um paralelo com a Revolução Francesa. Governos que pareciam eternos foram derrubados pelo povo; verdades absolutas foram desmanteladas e novas perguntas surgiram. No início do século XX o Império Russo foi implodido por uma revolução.

Hoje, no início do século XXI, diversos países árabes revoltam-se contra seus governantes absolutistas. A ligação entre essas manifestações e aquela do fim do século XVIII é mais que notória, é inspiradora. Os ideais da Revolução Francesa, que em 2012 completa 223 anos, nunca estiveram tão presentes!

Grande abraço!

-- Thiago Amorim

Para saber mais:

A Era das Revoluções” – Hobsbawm